Presidente do Democratas de Goiás desanca o PSD, que tem tirado parlamentares do DEM em nível nacional
O DEM sofreu perdas de parlamentares, mas se depurou como partido e ganhou força, tanto que com uma bancada pequena tem sido a verdadeira oposição ao governo do PT no Congresso. A avaliação é do deputado federal Ronaldo Caiado, lembrando que a sigla contrapôs com firmeza a base aliada da presidente Dilma, como na votação do Código Florestal e no processo de fritura que culminou na demissão de Antônio Palocci da Casa Civil.
"Cambeta" e desarticulado politicamente é como o deputado define administração petista nos seis primeiros meses. "O governo Dilma já dá sinais de fraqueza. Ela fazia papel de gerência, não tem vivência de partido. O estilo é bateu-levou e isso não funciona muito no Executivo", afirma Caiado.
O deputado diz que Demóstenes Torres é um bom nome do partido até mesmo para disputar a Presidência da República. E lembra que para o ano que vem, na disputa pela Prefeitura de Goiânia, o senador bate os prováveis adversário com larga margem.
PSD, Código Florestal, drogas, lixo radioativo, reforma política, entre outros assuntos, também são tema da entrevista do político e médico, concedida em seu apartamento em Brasília, na quinta-feira, 16, quando recebeu em café da manhã a equipe do Jornal Opção.
Cezar Santos — Em política não tem cedo demais. O DEM goiano já está tratando da sucessão municipal? O senador Demóstenes Torres lidera todas as enquetes em Goiânia. Será ele o candidato do Democratas?
Já começamos essa discussão, mas não identificando nomes com essa antecedência. Realmente política começa cedo, mas qualquer candidatura colocada com um ano e meio de antecedência será bombardeada enquanto os outros continuarão articulando. O senador Demóstenes é um candidato não só do partido, mas do povo goiano. Qualquer pesquisa que se faça ele lidera por três ou quatro por um em relação a qualquer outro nome. Mas como esse processo vai avançar? Temos de nos concentrar em Goiânia e nos outros municípios. Estamos fazendo as reuniões, tanto eu, como Demóstenes, o José Éliton, os deputados Heuler Cruvinel, Hélio de Sousa e Nilo Resende, estamos buscando os nomes. Sem dúvida, Demóstenes em Goiânia será um fator alavancador e estimulador em todo o Estado, mas, além disso, quais são as candidaturas competitivas que podemos lançar nos outros municípios. Estamos trabalhando isso com intensidade. Mesmo porque temos que buscar filiação de alguns quadros e esse prazo exaure no dia 30 de setembro ou 1º de outubro.
José Cácio Júnior — A atuação de Demóstenes deu um prestígio muito grande em nível nacional e o nome dele tem sido ventilado para uma possível candidatura a presidente da República. Teria condições?
Condições ele tem de sobra. O trabalho pelo qual eu luto no partido há muito anos é que não sejamos mais linha acessória de nenhum outro partido no País. Que rompamos o estigma de partido de vice, nos desatrelemos dessa linha de raciocínio. Minha tese sempre foi de apresentar candidato. Nos últimos anos sofremos acidentes de percurso. Luís Eduardo Magalhães (BA) era um nome altamente competitivo, Roseana Sarney (MA) decolou bem depois teve o acidente que naufragou sua campanha [em 2002, quando a Polícia Federal descobriu R$ 1,3 milhão não declarado em comitê dela]. A partir daí não construímos mais uma candidatura à Presidência. Hoje temos de debater quais nomes podem ser viáveis para 2014, para apresentá-los como candidatos a presidente e não a vice. E logicamente que Demóstenes Torres é um desses nomes. Ser vice é a pior postura para o partido, sempre fui refratário a isso. Tem político em Goiás que adora isso, é uma cultura, parece que nasce para ser vice. Como presidente do DEM em Goiás, sempre trabalhei para lançar candidato majoritário a governo, ao Senado. Repito, o DEM tem de deixar de ser o partido da vice. O DEM hoje, depois que perdeu alguns deputados, está vivendo um bom momento. Houve uma depurada, estamos em harmonia interna, o que é importante. Não temos mais fogo amigo, não nos preocupamos mais com puxadas de tapete. O partido hoje é outro.
Cezar Santos — O DEM se fortaleceu qualitativamente então?
Sim, o DEM cresce. Para se ter uma ideia, temos menor quadro que o PSDB, no entanto fomos nós que entramos na luta contra o governo federal nas medidas provisórias. O DEM entrou de frente no processo do Palocci, não se acovardou em momento nenhum e conseguiu derrotar o governo. Conseguimos vocalizar o sentimento da sociedade. Denunciamos o colapso dos hospitais, a falência da saúde, o problema do crack, da educação. O Democratas está conseguindo fazer oposição com pouco mais de 30 deputados. Então não é a quantidade, é a qualidade. Essa qualidade tem feito diferença no plenário. Somos relativamente pequenos, mas somos o partido mais atuante, que consegue debater com conteúdo, preparo e independência. Nossos parlamentares podem enfrentar a máquina do governo por não termos rabo preso. Podemos ser avaliados, auditados e até grampeados (risos) e sobrevivemos na política. São poucos que podem passar por isso e os democratas fazem parte desse grupo. Por tudo isso, acredito muito no crescimento do DEM em 2012, não só em Goiás, mas no Brasil todo. E eu luto duramente para que tenhamos candidato a presidente da República em 2014.
Cezar Santos — Falando em oposição, qual sua avaliação do governo Dilma Rousseff?
A presidente Dilma termina os primeiros seis meses com o seu governo cambeta, desarticulado politicamente. O governo Dilma já dá sinais de fraqueza. Ela fazia papel de gerência, não tem vivência de partido. O estilo é bateu-levou e isso não funciona muito no Executivo. Ela está asfixiada por que não pode denunciar a herança maldita que recebeu de Lula e ao mesmo tempo não consegue administrar os dois orçamentos atrasados que tem para cumprir. O segundo ponto é que ela tem de atender a voracidade dos partidos da base. Ali as pessoas não discutem o Brasil, mas qual a fatia, os cargos, os ministérios que elas podem ter. A todo momento Dilma se vê vulnerável nesse apoiamento da base, porque aquilo é como alimentar vampiro com sangue. O tanto que der é pouco e cada vez eles querem mais. É uma base instável e ela já começa a criar mais cargos comissionados e isso desarticula sua base política e também de gerenciamento de governo, ao perder, em menos de seis meses, os dois principais ministros, Antonio Palocci (PT-SP) e Luiz Sergio (PT-RJ).
José Cácio Júnior — Luís Sergio não era ministro...
Sim, tudo bem, mas foi o próprio PT, partido da presidente, que deu a ele o apelido de garçom. É um processo de autofagia dos partidos da base. Então Dilma está tendo dificuldade de controlar isso. Por isso temos de mostrar à sociedade brasileira, aos formadores de opinião, a importância da oposição. E temos de ter o apoio da mídia nisso, porque quando um governo quer ser único e destruir ou dissolver as oposições, temos de ficar atentos. Porque o governo do PT não quer que as coisas sejam fiscalizadas nem que tenham transparência.
Cezar Santos — Cite exemplo disso, deputado.
Ontem (quarta-feira, 15), eles nos venceram na medida provisória sobre flexibilização e quase na quebra dos princípios básicos da lei de licitações, para facilitar as obras da Copa do Mundo. Não somos contra a Copa do Mundo, mas ocorre que eles ficaram quatro anos sem fazer nada para criar condição de comoção e dizer “agora só temos três anos, porque tem a Copa das Confederações, para fazer tudo e não podemos seguir a lei”. Foi premeditado mais uma vez o Brasil vai pagar um preço altíssimo.
Cezar Santos — O PT descobriu que a iniciativa privada é mais eficiente que o Estado?
Pois é, vivemos ontem outro momento importante que precisava ser mais bem noticiado. A presidente Dilma se converteu a uma política liberal, ela que negou duramente o processo de privatização, ontem encaminhou uma medida provisória em que reconhece a necessidade de chamar a iniciativa privada e transferir a ela os aeroportos. Ela que defendeu um discurso de estatização, de não privatizar órgãos públicos, menos de seis meses depois ela viu que para superar essa demanda existente (nos aeroportos) vai ter de dividir com quem tem competência.
Cezar Santos — Dilma tomou um choque de realidade?
Um choque de realidade. E o pior é que ela se elegeu com um discurso frontal a isso, dizendo não aceito, não admito não comungo com essa tese, sou opositora à privatização. De repente você percebe o processo avançando e a presidente autorizando. Há uma distância entre o discurso para ganhar o voto e a prática. Nós precisamos assumir essas bandeiras e mostrar com muita clareza o que realmente foi positivo em cada um dos governos e não ficarmos com rótulos. As privatizações foram positivas em vários momentos da vida brasileira, como em outros países. Um Estado inchado, o governo está se transformando em uma grande S.A. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que identifica quais são as empresas que devem ser salvas no Brasil, injeta recursos nelas e de repente as outras empresas podem quebrar, pois não fazem parte do grupo que financia as campanhas eleitorais e muito menos daqueles que são simpáticos ao Palácio do Planalto.
José Cácio Júnior - O PSD está desidratando o DEM, mas em Santa Catarina foi constatado nome de pessoas mortas em lista de apoio para oficializar a criação do partido, além de utilização de funcionários públicos em São Paulo nesse trabalho. Como o sr. analisa isso?
O DEM vai entrar com duas representações, uma no Ministério Público da Justiça Eleitoral e outra no Ministério Público do Estado de São Paulo, para que se apurem aquelas denúncias de utilização de funcionários públicos para fazer coleta de assinatura. O PSD começou mal por vários motivos. Você sai de um partido se estiver sendo perseguido ou se esse partido saiu de suas normas estatutárias e programáticas ou quando esse partido se funde com outro, e aí você não é obrigado a concordar com a decisão do diretório nacional. No PSD nada disso ocorreu. Foi um projeto de fisiologismo claro, escancarado. O prefeito Kassab, que sempre esteve no poder, ao não se ver contemplado com a eleição do Geraldo Alckmin (PSDB) e com seu mandato se exaurindo, resolveu fazer um projeto pessoal, virando as costas ao DEM. Para nós é difícil absorver isso porque sempre demos todo apoio a Kassab, em todos os momentos, quando Serra não quis aceitá-lo como candidato a vice-prefeito, nos momentos difíceis da carreira política dele em São Paulo, o DEM o respaldou. E na hora que o partido precisa dele, quando tínhamos sofrido uma derrota, perdido deputados, esperávamos que ele retribuísse, como prefeito da maior capital da América do Sul. E nessa hora o gesto dele para o partido foi virar as costas. Foi uma traição. Mas é interessante que o traidor tem vida curta. No interior de Goiás se diz que a esperteza quando é demais vira bicho e engole o dono.
Cezar Santos — A criação do PSD tem o dedo do governo federal?
Kassab abriu um caminho direto com o Antonio Palocci para destruição das oposições no Brasil, esse era o jogo. Se não tivesse um núcleo duro no Democratas, teríamos nos esfacelado completamente naquele momento. Lembre-se que toda a imprensa especulava que hora o DEM vai acabar, está perdendo deputados a todo momento. Mas perdemos deputados fisiológicos, que queriam entrar pelas portas dos fundos do Palácio do Planalto, aderir ao projeto do governo, sendo que as urnas nos escalaram para oposição. Mas o castigo vem rapidamente, agora nem mais a cavalo, mas a avião a jato. Em poucos dias o Palocci, que montava essa operação (eliminar o DEM) com o Kassab, caiu envolvido em escândalo. E logo Lula vem a público acusar o Kassab de ter traído Palocci entregando informações para que ele fosse denunciado à Procuradoria Geral da República. O PSD está em total indefinição. Os parlamentares que foram para lá estão num constrangimento enorme, envolvidos em escândalos em vários Estados e municípios nessa coleta de assinaturas. O projeto inicial naufragou. E o grande padrinho político que eles tinham no governo perdeu o cargo, foi desapeado da Casa Civil por denúncia em corrupção e enriquecimento ilícito. O PSD está fadado a ter vida curta. Nem sei se sequer conseguirão o registro definitivo até o último dia de setembro para registro das candidaturas municipais.
José Cácio Júnior — A votação do Código Florestal foi bem polêmica. A proposta vai passar no Senado?
Vamos aguardar. Na Câmara ela foi aprovada e nós precisamos quebrar o viés maniqueísta que tem na análise dessa matéria, como se todos que estão no setor rural fossem contra aquilo que nós fomos os únicos no mundo a preservar. Quando você vai por essa linha de raciocínio, o cidadão já não quer ouvir mais. A tese de buscar mecanismos para regularizar as áreas desmatadas pode vilanizar as pessoas que estão nessas áreas. A discussão tem que ser outra. O Brasil tem 850 milhões de hectares e apenas 256 milhões são áreas produzíveis. Tem um quarto do Brasil produzindo. O resto são florestas como Pedro Álvares Cabral achou. Em segundo lugar, existem os problemas que nós sabemos quais são em Áreas de Preservação Permanente (APPs). Nós queremos que essas áreas sejam identificadas pelos Estados para que sejam corrigidas. Mas é preciso lembrar que quando o produtor ocupou essa área, a legislação não autorizava? Sim. Por que falar em anistia se ele é obrigado a preservar ou recuperar essa área? Se você é obrigado a recompor uma área com serviços ambientais, isso não pode ser visto como anistia. O que está simplesmente é legalizando. Como pode, segundo decretos normativos e uma medida provisória que nunca foi votada na Casa, deixar 100% dos produtores em situação ilegal? Não tem o princípio da razoabilidade. Quem está errado, as regras ou o setor produtivo primário?
Cezar Santos — Mas o texto do relator [deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP)] é bom?
Lógico que é bom. Ele é pacificador, responsável. Define esferas de participação dos municípios, Estados e União. Em vez de ser uma legislação para extorquir o produtor rural, é muito mais educativa, apoia a recuperação das áreas necessárias. O Código vai dizer que o governo dá anistia é para Cesare Battisti [ex-ativista italiano condenado à prisão perpétua no seu País por assassinato, que fugiu, foi preso no Brasil em 2007 e ganhou status de refugiado político]. O governo da anistia é para corrupto. Produtor rural é diferente. Produtor rural é que segura esse País. Quando o governo fala que pagou dívida externa, não está falando a verdade. Não pagou nada. Quem pagou a dívida externa foi o setor rural, que foi superavitário na balança comercial. Agora demagogicamente querem criar uma figura e colocar o produtor como inimigo do meio ambiente. É o setor que mais preserva o meio ambiente. Qual é o lugar do mundo onde uma pessoa retira 20% do seu patrimônio para preservação? Isso no Centro-Oeste. E no Norte o produtor retira 80% da área que adquiriu para preservação do meio ambiente. Mas se estamos falando em recuperação, isso significa áreas que já foram ocupadas. Por que eu tenho que recuperar as áreas que já foram ocupadas na beira dos Rios São Francisco e Paranaíba, por exemplo, e não recuperam áreas em torno dos Rios Sena, Danúbio, Reno, Mississipi, Missouri pelo mundo afora? Ninguém está estimulando a devastação. Mas nossos pais eram estimulados a desmatar beira de rios para combater a malária. O governo já financiou a drenagem das várzeas para que o País fosse competitivo na produção de arroz. Há 20 anos o Brasil importava leite da Austrália, feijão do México, arroz da Ásia, carne da Austrália e da Argentina. Hoje somos autossuficientes e sem dúvida alguma a maior potência em produção de proteínas do mundo. Se temos apenas um quarto do Brasil produzindo e os outros três quartos totalmente preservados, por que não fazermos uma política onde podemos casar tranquilamente a convivência e respeitar as áreas consolidadas que estão com plantio de café e uva, ou nas regiões onde pequenos produtores respeitam áreas preservadas. Por que não uma política educativa? O americano e o europeu, quando pretendem preservar uma área, a congelam e depositam na conta do produtor aquele valor mensalmente referente à área. Aqui não temos nenhum incentivo nas áreas que são congeladas como reserva legal ou APP.
Cezar Santos — Muito da pressão ambiental vem de organizações de fora do País?
Sim, e como esses organizações não governamentais (ONGs) internacionais vêm dizer aqui o que precisamos fazer? Alguém tirou o ocupou algum pedaço de Cerrado que não fosse para produzir grãos e proteínas? Não. Se o cidadão urbano gasta 18% do salário para comprar uma cesta básica, é porque produzimos alimentos a preço barato. Há 20 se gastava 56% da renda do cidadão em cesta básica. Pergunto se o Brasil é competitivo em tecnologia? As montadoras de carro possuem licença ambiental para cada carro que produzem? Elas não têm nem licença ambiental. Então são dois pesos e duas medidas. A casa da Dilma [Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente da República] está dentro de uma APP. As casas oficiais dos presidentes da Câmara e do Senado estão dentro de uma APP. Em todos os lagos, acima de 1 hectare de lâmina d'água é preciso manter de 50 a 100 metros de mata ciliar. Isso não existe. Em São Paulo o Rio Pinheiros virou um esgoto, o Rio Tietê outro. Vamos trazer para nossa casa. Em Goiânia os Rios Cascavel e Meia Ponte estão uma lástima.
José Cácio Júnior — O sr. já consegue montar um cenário do que pode ser aprovado, de fato, na reforma política?
O que posso dizer é que o relator, deputado federal Henrique Fontana (PT-RS), ficou um pouco limitado em participar desse debate por causa de um acidente que o seu filho sofreu. Foi substituído temporariamente pelo deputado federal Rubens Otoni (PT), um profundo conhecedor da matéria. Então até o momento ainda não avançamos no relatório. E existem várias sugestões que são Propostas de Emenda Constitucional (PECs). PEC tem um rito totalmente diferente. Foi feita uma comissão especial na Câmara, composta pelas mesmas pessoas da Comissão da Reforma Política e que abriu prazo para apresentarmos emenda. Como eu vou apresentar uma emenda sobre uma matéria estranha, se a PEC que estamos discutindo diz apenas sobre sistema eleitoral de voto distrital misto? Mas outros temas estão sendo propostos para que sejam votados. Como vou apresentar emenda sobre data de posse, unificação de campanha, fim das coligações das eleições proporcionais, sistema de governo, se não tem sequer um relatório, parcial que seja, para poder ser discutido.
José Cácio Júnior — Mas já tem algo que já seja consenso entre a maioria dos deputados?
Objetivamente tem um sentimento na Casa que propõe o fim das coligações nas eleições proporcionais. Eu tenho outra linha de raciocínio, mas difícil de ser aprovada. Mas como médico, em vez de tratar sintoma, eu prefiro tratar a causa. Qual é a causa da total deterioração do sistema eleitoral? É um modelo que exauriu. Hoje só se viabiliza na política quem tem proteção das máquinas do governo ou quem tem poder financeiro e, com raras e honrosas exceções, quem tem voto de opinião. Esse sistema é excludente. Sou defensor de um sistema que fosse transitório, quando eu defendia à época a adoção da Unidade Real de Valor [URV, modelo monetário que serviu de transição entre o Cruzeiro Real (CR$) e o Plano Real (R$)]. Para acabar com a cultura inflacionária o Brasil viveu um período sem moeda. Talvez seja o único caso no mundo. Se você tem uma cultura de compra de votos, precisa ter um interstício para quebrar isso e depois avançar em outro sistema. Quando propomos a tese de financiamento público exclusivo de campanha com lista pré-ordenada foi para que o cidadão pudesse fazer valer a sua competência, valor e espírito público, que o candidato tivesse condição de se mostrar, sem que os fatores máquinas de governos e poder financeiro fossem os determinantes. Quando acabar a cultura da compra de votos podemos voltar à vida normal e discutir o voto distrital, novas regras para o financiamento. A classe política está perdendo cada vez mais a capacidade de ter a confiança ou a possibilidade de oferecer uma solução ao cidadão. Eu costumo dizer que faço parte dos dois extremos de uma pesquisa que foi feita: como médico, a classe com mais conceito junto à sociedade brasileira; e como político, a pior avaliada junto à sociedade. É um absurdo imaginar que, estando na vida política, não se pode propor mudanças substantivas e corrigir isso. É o que eu tenho me debruçado nos meus mandatos. Lutando por uma reforma política com objetivo. Não é ficar remendando o que já tem. Isso é tecido roto. Não podemos fazer reforminhas de conveniência. Teríamos de ter coragem e ousadia de fazer uma quebra no sistema.
José Cácio Júnior — Quais a principais mudanças poderiam ser feitas?
Se você perguntar qual é o senso comum da sociedade, a resposta vai ser a escolha pelo distritão [proposta em que os mais votados para o Legislativo são os eleitos], porque não conhecem a regras e detalhes do sistema eleitoral. O distritão é o pior dos mundos. Aí é o fim do processo político no País. O distritão é o que existe de pior. Tanto é que é um sistema que existem em países como Afeganistão, Vanuatu [País da Oceania formado por 83 ilhas] e um outro lugar aí. Foi feita uma pesquisa por um cientista político que identificou isso. Para você ver os lugares em que têm o distritão. Realmente vai ser um processo de quem mais poder de comprar foto é que vai ser eleito. Não vai ter regras partidárias, princípios, doutrina, limite, com quem vai se aliar. É um balcão de negócios, não é política. A reforma política me encanta, mas não é fácil, pois algumas pessoas foram eleitas pelo atual processo e não querem mudar isso. Temos outros que convivem bem com esse sistema, pois passa a ser uma fonte de arrecadação. E tem os que querem propor algumas mudanças. É um momento delicado, até o momento não avançamos nada. As mudanças foram maquiagem, mas não alteramos a essência. Fui relator da reforma em dois mandatos, mas em dois momentos nossa proposta foi rejeitada quando levamos ao plenário. E fica a expectativa do que vamos conseguir avançar. Com poucas chances de que podemos fazer algo que possa valer para a eleição de 2012. Ao menos que tenha algum acordo com a adoção de algumas PECs, que seriam promulgadas no final das votações na Câmara e no Senado. Mas o sistema eleitoral está muito confuso, temos muitos debates, mas a cada momento surge uma nova proposta para o sistema, mas não conseguimos convergir em uma só.
Cezar Santos — O sr. começou na política na União Democrática Ruralista (UDR) [criada em 1986 em nível nacional], onde teve uma grande projeção. O que mudou no Ronaldo Caiado de lá para cá?
Primeiro lugar é visível (risos). Naquela época eu tinha 36 anos e hoje já estou com 61. Você amadurece muito com a idade. Não é que se perdem as referências, pelo contrário. Eu as tenho muito consolidadas. Aquele momento foi ímpar, pois foi uma oportunidade de mostrar que um setor, ao qual sempre me orgulhei de pertencer - sou médico, exerço a profissão -, mas tenho o orgulho da minha origem e de representar o setor produtivo primário. Foi um momento em que o governo propunha uma Constituinte estatizante e revogava o direito de propriedade. E a luta foi toda nesse sentido. Aqueles que viveram à época lembram que nós garantimos um princípio que é basilar em toda democracia, que é o respeito ao cidadão e sua propriedade. Naquele momento nós enfrentávamos uma onda, existia o muro de Berlim, uma imagem de que os países comunistas estavam produzindo uma melhor qualidade de vida, com renda per capita. E de repente, quando o povo começou a saber das coisas, com a queda do muro de Berlim, viu que aquilo tudo que noticiavam era uma total irrealidade. O que existia era fome, confisco, bloqueio de todos os direitos do cidadão, o que o mundo não deseja mais. E estamos vendo que aquilo que defendíamos àquela época, quando éramos até satanizados, já surte efeito. A sociedade começa a entender que precisamos buscar uma prática moderna na política em que o principal no processo é a ética, dignidade e não fazer política para se beneficiar e auferir interesses pessoais ou lucros. Mas sim com altivez, defendendo seu estado, seu País, estando presente nas matérias mais relevantes, tendo opinião, não se comportando nas horas mais difíceis pelo caminho da omissão e da subserviência. Se tem alguma coisa que tento sempre transmitir aos mais jovens, nas palestras que faço nas universidades, é do jovem que tem o cérebro inflamado, que ele mantenha seus princípios e coerência. Que não perca a perspectiva de buscar um País melhor. Uma mudança é que a pessoas estão se politizando cada vez mais. Estão tendo voto de opinião. Para se ter uma ideia sou votado nos 246 municípios do Estado de Goiás. Sou o único. Minha base é formada por votos de opinião.
“Sonho um dia governar Goiás, não descartei”
Cezar Santos — O sr. continua querendo ser governador de Goiás?
Não tive sucesso na eleição majoritária, mas não quer dizer que descartei. Eu sonho em amanhã chegar ao governo do meu Estado. Sempre digo isso e é um objetivo que tenho na minha vida. Mas respeito a decisão das urnas. O mundo muda rápido, avançamos em várias áreas, mas o que pode me frustrar no meu quinto mandato é o fato de ainda não termos realizado uma mudança substantiva no sistema eleitoral. Aí daríamos mais oportunidades, incluiríamos os jovens e quebraríamos o conceito da compra de votos para ter sucesso na disputa eleitoral. Hoje tenho mais experiência para me posicionar tanto na política quanto na cirurgia médica, já não sendo a primeira cirurgia que eu fiz, já tendo feito centenas delas. A experiência vem no decorrer da minha trajetória de vida. Quando se faz política com dignidade, as pessoas podem até não lhe apoiarem ou não se posicionarem ao seu lado, mas elas têm respeito pela sua atitude. Esse é o ponto principal. E isso demora muito até ser construído na vida política. Quando a sociedade vê que a causa é justa, que a pessoa enfrenta posições concretas, de não ficar criando factoides, fatos momentâneos, mas defende uma tese que vai melhorar a vida de milhares de pessoas, você começa a construir uma história. E no decorrer da vida as pessoas vão percebendo em quem podem acreditar. Esse é um bom jornalista, aquele um bom médico, o outro um bom político. E o que precisamos fazer é ampliar a vida política para aqueles que possuem espírito público.
Cezar Santos — A grande preocupação com os rejeitos de Angra para Abadia de Goiás é com o perigo real para o Estado ou pelo estigma, como ocorreu com o césio?
Não é só o estigma. Em Abadia há resíduos do césio em que a vida média é de mais de 300 anos. Acidentes nucleares têm várias causas. Pode ser por incompetência no gerenciamento dos resíduos, mas também por causas naturais, terremotos, inundação, contaminação do lençol freático, etc. Tudo isso está acontecendo. Em Chernobyl há mais de 1 milhão de pessoas contaminadas. Em Goiânia foram mais de mil contaminados, com quatro mortes. O mundo todo se questiona se vale a pena a energia nuclear. No domingo passado, na Itália, o povo votou contra. A Alemanha está desativando usinas. Também a Suíça, a Bélgica. E para eles, a energia nuclear é fundamental, mas para nós representa apenas 1,9% da energia produzida. Tudo bem avançarmos na pesquisa nuclear, mas temos de investir na produção de energia renovável, eólica, biomassa e outras. E a obrigação do controle desse material é da CNEN (Comissão Nacional de Energia Nuclear). Mas em Goiânia, no episódio da ampola de césio, não teve controle. Houve o acidente e eles disseram sinto muito. A ampola estava largada, as pessoas roubaram e saíram com aquilo pelas ruas. É interessante corrermos o risco transferindo milhares de toneladas de rejeitos para Goiás? E por que Goiás? O depósito de Abadia é de superfície. O lençol freático é tão raso que eles não puderam fazer escavação, a água drena na superfície. Nós já pagamos um custo alto por um prejuízo. Na construção da usina de Angra já deveriam ter definido o depósito definitivo. Não aceitamos agora trazerem lixo radioativo para Goiás. Outro aspecto, quando foi feito o projeto nuclear, compraram os reatores na Alemanha, que está desativando suas usinas. Então, quem vai fazer manutenção dos reatores de Angra 1 e 2? Não sei se Angra 3 é a mesma tecnologia alemã. Então recusar o lixo nuclear em Goiás não é preconceito, é por questão de segurança mesmo. Se a tecnologia nuclear brasileira está toda implantada em Angra dos Reis, porque transferir isso para Goiás?
José Cácio Júnior — E as faladas compensações para o Estado?
Isso é desrespeitoso para com o nosso Estado. É uma maneira de o governo federal dizer eu dou uma esmola e alguns empregos a vocês para que vocês se calem e os rejeitos de Angra 1 e 2 fiquem com vocês. Não vejo credenciais na CNEN em estar sozinha à frente desse projeto. Cobramos que haja uma agência reguladora, até porque quem executa não pode fiscalizar.
José Cácio Júnior — O País não tem um projeto de energia nuclear, que determina locais seguros para colocar os dejetos?
Até hoje não identificaram esses locais. E o prefeito de Angra dos Reis vem recusando duramente a posição de construírem lá depósito definitivo do lixo. E o presidente da CNEN disse que já tem três municípios que teriam aceitado receber o depósito pelos subsídios que receberão, mas não diz quais são por questão de segurança. Eu digo que não sendo em Goiás, tudo bem. Chega, já pagamos muito com vidas humanas, com prejuízos econômicos e preconceito durante muitos anos. Talvez os mais jovens não saibam disso, mas a minha geração sabe.
Cezar Santos — Como político e médico, o que o sr. diz da proposta do governo goiano de criar os Centro de Recuperação de Dependentes Químicos (Credeqs)?
De fato, a droga está destruindo quase em massa a nossa juventude. Ela está ficando nas mãos dos traficantes, que oferecem drogas a preço baixo, 2 a 5 reais, como o crack e agora uma ainda pior, o oxi, que tem poder destrutivo maior. O Jornal Opção mesmo colheu depoimento de dependentes dizendo que é mais fácil ter acesso ao crack do que comprar pão na padaria. Os jovens se viciam e têm sua sentença de morte decretada. A estatística diz que são 1,2 milhão de jovens dependentes do crack. Um centro especializado para atendimento a dependentes químicos tem de ser aplaudido. Esse projeto (do Credeq) propõe aquilo pelo que temos lutado no Congresso, que é alterar a legislação brasileira, na qual não se tem mais a internação compulsória, o que é absurdo. Internar um jovem drogado depende do autorizo dele, isso é inaceitável. Na Europa a internação do drogado é compulsória. Trabalha-se para tirá-lo da mão do traficante. O governo federal lava as mãos sobre isso, causando milhares de mortes. Não temos orçamento no Ministério da Saúde compatível para tratamento dos drogados. O governo federal gasta muito mais em publicidade. Não temos hospitais com leitos suficientes para internar esses dependentes. Não temos política, nem atendimento psiquiátrico, nem pessoas preparadas para lidar com esses jovens. Por isso lutamos para mudar a legislação.
José Cácio Júnior - Montar o centro, fazer o confinamento do drogado, resolve?
Não é só confinar. Além do diagnóstico, tem o acompanhamento psiquiátrico e daí várias fases. Para uns pacientes o tratamento psiquiátrico com assistência familiar resolve. Para outros, precisa a internação. Não é um tratamento simples nem barato, pelo contrário. O Estado tem de fazer sua parte e estamos lutando para mudar a legislação atual, que é falha.
José Cácio Júnior — O sr. concorda com a proposta do ex-presidente FHC, de descriminalizar as drogas?
Discordo frontalmente. É uma tese muito mais para aparecer, de momento. Foi um momento infeliz do presidente Fernando Henrique depois de uma trajetória toda, achar que descriminalizar a maconha tiraria os dependentes de drogas das mãos dos traficantes e os transferiria para o Estado. Isso é utópico, irreal. O governo não tem estrutura para tratar essas pessoas e acompanhá-las durante todo o processo de tirá-las do problema. Os países que fizeram isso, como a Holanda, com controle maior que o nosso, com nível cultural muito melhor que o nosso, já deram sinal de que não estão conseguindo controlar esse processo. Aliás, a saúde, nos últimos anos, tem sido o calcanhar de Aquiles, o ponto mais frágil deste governo. Nunca vimos algo parecido. Não tem verba para a saúde. Este governo trancou a regulamentação da emenda 29, que nos daria mais 35 bilhões de dólares para a saúde. As ações nas áreas estão restritas a 62 bilhões para 192 milhões de brasileiros. Sobre as drogas, em primeiro lugar seria preciso uma política de conscientização dos jovens. E ao mesmo tempo enfrentar a luta real. O Brasil não pode continuar benevolente com vizinhos como a Venezuela e Bolívia, que tratam produtores e traficantes de drogas como cidadãos de prestígio.
José Cácio Júnior — Argumentam que do jeito que está não se consegue sucesso no ataque às drogas.
Dizer que mesmo a política de repressão dos Estados Unidos, a maior economia do mundo, não consegue conter as drogas, muito menos sucesso teremos se abrir isso. Transferir para o Estado o controle da droga vai abrir ainda mais o campo para a corrupção. Além do dinheiro público sendo desviado, vamos ter outro aparelho de corrupção montado na máquina estatal. As cidades brasileiras virariam aquela cidade do Pablo Escobar (Medellín), que era base do tráfico na Colômbia. É inaceitável a tese de Fernando Henrique, é tentativa de levantar uma bandeira que ele não teve coragem de enfrentar como presidente da República. Ele teve oito anos da vida dele com os mecanismos para trazer isso a público e se omitiu. Por que agora?
Fonte: Jornal Opção
Wenderson Monteiro