ROBERTO MACEDO
“Não é problema do BC Meirelles ser candidato”
Doutor em Economia pela Universidade Harvard afirma que o Brasil saiu de uma recessão, mas ainda não saiu da crise
Edilson Pelikano
O Brasil sofreu menos que outros países, principalmente os desenvolvidos, mas poderia ter sofrido menos se tivesse mantido uma taxa maior de investimentos. A avaliação é do economista mineiro Roberto Macedo, explicando que a baixa taxa de investimento tem prejudicado o País. Ele cita como exemplo a falta de investimentos da Saneago em levar água e esgoto para os novos loteamentos: “Ouvi empresários da construção civil reclamando. Investimentos do governo movimentam a economia, estimulam os empresários a também investir”, avalia.
Macedo analisa que a filiação de Henrique Meirelles não faz diferença para o mercado financeiro. E lembra que se Meirelles disputar a eleição, vai fazê-lo contra profissionais da política, o que diminui suas chances. Fala também que o PAC foi uma jogada eleitoral do presidente Lula.
Bolsa Família, pré-sal, câmbio, juros, aparelhamento do Ipea e vários outros temas são abordados pelo mineiro Roberto Macedo, doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular da Universidade de São Paulo (USP), pesquisador da Fipe-USP, vice-presidente da Associação Comercial de São Paulo e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda. Macedo também milita na imprensa — é articulista do jornal Estado de S.Paulo e foi editorialista da Folha de S.Paulo. Na terça-feira, 15, em tom informal e pouco “economês”, ele concedeu a entrevista que segue, momentos antes de proferir palestra na solenidade de abertura do Instituto ProEconomia, que inicia suas atividades em Goiânia. Participou da entrevista o economista goiano Everaldo Leite.
Cezar Santos — O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, pode se filiar para, provavelmente, disputar eleição em 2010, talvez o governo de Goiás ou vice-Presidência ou mesmo Senado. Com sua experiência de altos cargos na área econômica do governo, o sr. não acha que contamina a administração um presidente do BC filiado?
Esse assunto não tem muita importância lá dentro, ninguém toca muito nesse assunto. Eu acho que o problema é do Meirelles, não é do Banco Central ou do mercado financeiro. Eu circulo no meio financeiro e vejo que ninguém está preocupado se Meirelles vai se filiar ou não. O pessoal da equipe aparece demais na mídia, às vezes mais do que o presidente. Você acha que fica uma pessoa conhecida, que tem um grande capital político. Mas é pura ilusão. Fui candidato depois de participar do governo, e as pessoas falavam Macedo você aparece, mas o pessoal que te ouve na TV, o povão, não entende o que você está falando. Você acha que Meirelles tem algum apelo popular? Eu não sei. Às vezes o cara se empolga. Se vão votar nele é outra história. Ele vai enfrentar políticos experientes. Ele pode ser eleito deputado, como foi, mas ser eleito governador ou vice-presidente eu acho bem mais complicado.
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Danin Júnior — No PT estão cogitando até Antonio Palocci para a presidência do Banco Central. Um cidadão que quebrou o sigilo bancário de um caseiro ser o presidente do Banco Central?
O PT está pondo muita ficha no Palocci, mas essa história do caseiro e outras que aconteceram em Ribeirão Preto diminuíram muito o capital político dele. Não vai ser fácil ele disputar uma eleição majoritária, porque o outro lado começa a levantar essas questões. Pelas estatísticas eleitorais que vi, ele não foi eleito por Ribeirão Preto, o partido arranjou voto para ele em outros lugares, a Marta Suplicy arranjou muito voto para ele em São Paulo.
Cezar Santos — Quem conhece Palocci não vota em Palocci?
Ele pode ser o maior santo do País, mas a imagem perante a mídia ficou arranhada. E num embate isso vai ser levantado. Em eleição para deputado o adversário não está tão preocupado com o outro, mas em eleição majoritária se tem oposição direta. Vi hoje no jornal um político daqui [Maguito Vilela] sugerindo que Meirelles seja candidato a vice-presidente, parece uma estratégia para se livrar do cara (risos). -
Cezar Santos — está completando um ano da quebra do Lehmam Brothers, que escancarou a crise financeira nos Estados Unidos afetando o mundo todo. O pior já passou para o Brasil?
O Brasil sofreu menos que outros países, principalmente os desenvolvidos. E menos até que os países iguais, como a China e a Índia. Mas é importante ficar claro que o Brasil saiu de uma recessão, mas ainda não saiu da crise. O conceito de recessão é ter dois trimestres consecutivos de variação negativa do PIB. No Brasil ocorreu no último trimestre de 2008, quando veio a crise, e o primeiro trimestre deste ano. No segundo trimestre deste ano, foi positivo. Isso significa que o País saiu da recessão, votando a ter uma taxa positiva, mas ainda não suficiente para compensar as quedas anteriores, ou seja, não voltou ao que era antes. É como você cair num buraco e começar a subir pelas laterais. Você está saindo, mas não chegou ao topo ainda. Não digo isso porque eu torça pelo pior, pelo contrário, estou doido para o Brasil sair do buraco e supere essa crise. Se é fato que sofremos menos que outros países, poderíamos ter sofrido ainda menos.
“O?Brasil investe muito pouco” -
Danin Júnior — De que forma? O que deveria ter sido feito?
Se tivéssemos mantido uma taxa maior de investimentos. Tecnicamente, taxa de investimento é aquilo que você produz, não consome e transforma em coisas que produzem bem de capital. No Brasil se faz isso muito pouco. Veja que a China reserva 40% do que produz para investir e a taxa de crescimento lá caiu de 10% para 8% com a crise; a Índia investe 30% e a taxa caiu de 8% para cerca de 6%. O Brasil tem investido 19%, muito pouco e com a crise caiu para 15%. Nossa taxa de crescimento caiu de 5% em 2008 para zero este ano, talvez chegue a meio por cento ou um pouquinho mais. A grande carência do crescimento brasileiro é realizar mais investimentos. Sem investimentos acontecem gargalos. Vi a notícia da expansão da construção civil aqui em Goiânia, para áreas mais longe do centro. Mas aí é preciso levar água e esgoto. Os empresários da construção estão se queixando da companhia local, a Saneago, que não está levando água (para os loteamentos). A empresa não investe por que não tem dinheiro. Então, quando o governo investe, leva água, estrada, faz posto de saúde, escola, ele estimula o setor privado a também investir. Os governos aqui - e isso é geral, em todo o País - destinam muito pouco para investimentos. O governo federal já chegou a investir mais de 2% do PIB, hoje caiu para cerca de 1,5%. -
Everaldo Leite — o sr. não acha que o Brasil entrou nessa crise de maneira errada, quando o Banco Central subiu o juro em vez de reduzir? Isso não pode fazer o Brasil demorar um pouco mais para sair da crise?
Não chegou a subir, acho que parou o crescimento de juros. Eu me integro ao grupo de economistas que dizem que o governo poderia ter agido mais rápido. O que deveria fazer o Banco Central é um pouco do que faz os Estados Unidos, lá o Banco Central tem mandato não só para controlar inflação, é responsável também pela economia, porque é muito fácil para o Banco Central ficar controlando inflação. Inflação sobe, aumentam os juros; cai, abaixam os juros. -
Danin Júnior — A política monetária poderia melhorar a questão dos investimentos?
Uma época eu fui presidente de uma entidade do setor elétrico e eletrônico, se não me engano em 1996 ou 1997, o governo passou a taxa de juros para 45% ao ano em novembro. Sobrou televisão em Manaus, no meio do caminho dentro dos caminhões, nos depósitos, para tudo quanto é lado, uma tragédia. Então, hoje com 8,75%, com expectativa de inflação de 4%, você está com a taxa de juros perto de 5%, que é a taxa base da Selic. O problema do Brasil hoje é o spread. Sou vice-presidente da Associação Comercial de São Paulo e a reclamação lá e mais do spread do que da taxa de juros. Spread é uma coisa interessante. Quando fui estudar nos Estados Unidos entendi o que era spread. É, por exemplo, passar manteiga no pão. Tem hora que parece um sanduíche de melancia, aquele negócio enorme em cima da fatia de pão. O spread é maior do que a própria fatia de pão. -
Cezar Santos — Os bancos ganham absurdamente?
Remuneração dos bancos aqui é bastante elevada pelos padrões internacionais, mantida inclusive durante a crise. Mas tem coisa que é do governo, tem muito compulsório, muito imposto. O Henrique Meirelles tem feito palestras, porque ele está buscando baixar o compulsório, que aqui é alto demais. Quem entrar no Banco Central, o próximo governo, vai ter que se debruçar sobre o spread. Vejo debate disso em São Paulo, se tem consciência do assunto, os empresários reclamam, o governo reclama, os economistas não comprometidos com centros financeiros também reclamam. -
Cezar Santos — A mídia trata bem o tema economia?
Há um viés na mídia nacional de quando tem algum assunto ela repercute muito com economistas de bancos. Os bancos montaram verdadeiras faculdades para esse tipo de pesquisa, produzem uma quantidade de material imensa. É cômodo para o jornalista recorrer a quem fornece esse material. Às vezes são jornalistas ingênuos. Uma vez subiu a taxa de juros e os jornalistas falaram com o presidente da Vale, e ele falou que estava tudo ok. Mas quem é o presidente da Vale? Ele representa o Bradesco (risos). Antigamente os jornais davam muito mais atenção ao pessoal de faculdade. Isso mudou, mas muito é culpa do próprio pessoal da academia. Muitos economistas da USP não estão nem aí, querem é fazer currículo lates. Outro dia criamos um grupo lá para discutir a conjuntura econômica, mas o grupo está ficando velho. Convidamos os mais jovens, mas ninguém se interessa mais. -
Everaldo Leite — Qual sua opinião sobre economistas que estão tratando a questão do desenvolvimento numa perspectiva mais keynesiana?
A questão é fazer a leitura correta do Keynes, que muitos não fazem. No governo há algumas pessoas com uma visão keynesiana incorreta, que é expandir qualquer gasto. (Maynard) Keynes diz que é preciso aumentar gasto do governo, mas em coisas que depois seja revertido. Ele enfatiza muito investimento e seguro desemprego. Com seguro desemprego você socorre o pessoal, e quando a economia recuperar ele deixa de ser desempregado. Investimento constrói o país. A leitura correta do Keynes é essa, o governo deve entrar mais em investimento, seguro desemprego e educação, tendo educação como investimento. Mas não fazendo como o governo brasileiro, aumentando a folha e salários. O governo está fazendo consumo, está comendo semente. -
Danin Júnior — O que aconteceu com o Ipea [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada]?
Ele foi aparelhado, faz serviço de banco, visão de mundo que eu respeito. Pesquisador deve ter liberdade para escolher temas, as opiniões devem ser o mais isentas possíveis. Infelizmente mudou o Ipea, ele faz trabalhos edificando ações governamentais, o aumento do emprego, coisas do tipo. -
Danin Júnior — Quem foi que determinou a saída daqueles quatro economistas?
Acontece esse tipo de coisa, é meio patrulha. Foram demitidos, mas é comum. Sou professor aposentado da USP, chego lá tem uma sala reservada aos aposentados, podemos usar a biblioteca, mantenho meu endereço de e-mail de lá, isso é normal. Acho que isso deveria acontecer no Ipea. Mas aí dizem que não havia mais interesse. Acabaram fazendo um concurso em que o próprio pessoal do Ipea reclamou, tirou o Ipea da sua tradição de pesquisa econômica aplicada, e contrataram gente de várias áreas. Corre o risco de lá virar um lugar daqueles que chamam de papo-cabeça, no qual um monte de gente se reúne... (risos). Mas passou gente boa lá. Por exemplo, um economista que era jornalista no Estadão, muito competente, inclusive eu sempre participo da premiação do chamado tesouro nacional, e ele ganhou duas vezes antes de entrar no Ipea. No meio dessa turma deve ter gente aproveitável. -
Cezar Santos — Não só o Ipea, mas praticamente toda a administração pública se encontra aparelhada. Qual a explicação para isso?
No caso do Ipea é mais sério, porque se contratou muita gente para ficar lá para o resto da vida. O aparelhamento que o presidente Lula faz é criar cargos de comissão preenchidos temporariamente com gente da linha particular dele, com predominância de líderes sindicais. Esses cargos de confiança deveriam ser reduzidos. Como se explica cargo de confiança no Judiciário, que é um negócio permanente? Para que cargo de confiança no Judiciário? Isso é funcionário burocrata. -
Everaldo Leite — O Ipea está atuando no marketing do Governo?
Ele está muito engajado, ele tem que fazer as pesquisas. Se estivesse no governo, eu me sentiria mais confortável com o Ipea apontando não só as coisas boas, como também os equívocos. Acho que tem que ter liberdade para fazer isso. Em Harvard, na pós-graduação, o critério é o seguinte, não se pode repetir o que é dado em aula, tem que ir além. E as melhores notas você ganha quando você prova que o professor está errado, porque eles te usam como cobaias. Quando eles estão fazendo um trabalho, distribuem para alunos de pós-graduação. Aquilo ali é uma bomba, se chama “take home”, você leva para casa. Estuda no final de semana e na segunda-feira devolve com críticas. É outra formação. Brasileiro não gosta muito de crítica. Aqui se você critica uma política, o cidadão acha que você ofendeu a mãe dele. -
Danin Júnior — O Ipea sempre tentou justificar o Bolsa Família, que é a menina dos olhos do governo.
Eu defendo o Bolsa Família. Nos Estados Unidos é levado a sério esse modelo. Sempre falei que aqui no Brasil tinha que ser adotado uma coisa que lá chama “selo comida” (food stamp). Você recebe do governo e é maior do que o Bolsa Família. Eu sou a favor do Bolsa Família, ninguém pode ser contra. Lula deu uma cozinhada de vários programas que havia no governo Fernando Henrique Cardoso. Mas o Fernando Henrique não teve a idéia de juntar tudo isso, como teve o Lula. -
Danin Júnior — Aliás, essa idéia não é do governo Lula, é daqui de Goiás...
Ouvi dizer também que começou em Campinas (SP), isso é muito comum em países, deveria ser aprendido em casa, em religião. O sucesso do Bolsa Família vai ser mesmo quando as pessoas forem saindo, há um bando de gente dependente do Bolsa Família, vai ser criado um bando de zumbi. O Lula foi aos jornais dizer que aumentaria 135 reais por pessoa. Aumenta tanto que por fim o cara pensa por que vou trabalhar? Os pais devem receber pensão da Previdência, compensa mais carregar um carrinho de pipoca e na moita ficar recebendo o Bolsa Família. Esses dias fiquei sabendo que lá em São Paulo um rapaz vendeu o ponto dele de tomar conta de automóvel e voltou para as origens por causa do Bolsa Família, porque aí fica lá no sítio, não tem renda monetária. Numa reunião esses dias havia políticos reclamando que tem gente deixando São Paulo por causa do Bolsa Família. As pessoas voltam para suas cidades com os vícios de São Paulo, da criminalidade, favela, o cara torna-se um mal educado. -
Everaldo Leite — O sr. acredita que microcrédito seria uma saída?
Microcrédito é bom. Num debate ouvi sugestão interessante, de que a empresa que contratasse alguém do Bolsa Família poderia descontar o valor do benefício da contribuição de Previdência. Eu já trabalhei em Brasília, sei a diferença entre idéia e execução, é complicado, mas teria de ver se compensa. -
Danin Júnior — Nos últimos seis meses foram acumulados quase R$ 57 bilhões de déficit nominal...
Mas o déficit nominal sempre existiu, todos os países têm. Há três coisas que não se pode segurar: fogo morro acima, água morro abaixo e governo com mandato para gastar. O problema é que a crise dá ao governo mandato para gastar, uma justificativa keynesiana. Então estão metendo o pau na máquina, e a meu ver erroneamente, pois estão criando cargos permanentes e apostando no aumento da arrecadação, de que a crise vai recuperar e tudo mais. Se esse negócio frustra um pouco, você passa a ter problemas de dívida. -
Danin Júnior — A relação dívida passou de 63% para 65% em torno de dois meses, segundo dados do Banco Central. O sr. acha que a estabilidade monetária está ameaçada?
Eu não vejo isso. Só se houver algum agravamento. Ela poderia estar consolidada se você tiver um resultado melhor nas contas fiscais. Isso dá mais espaço para diminuir juros. O Banco Central, nas entrelinhas, se queixa que o governo segue uma política expansionista. Meirelles é muito elegante, vocês o conhecem. Ele põe lá umas coisas, dá uns recados. Então, é o seguinte um dos fundos das bases da taxa de juro é a questão da dívida governamental, porque os países ricos para emprestar dinheiro para o Brasil olham muito a questão da dívida. Se a dívida se agravar, o pessoal vai querer mais juros, porque juro baixo é uma remuneração pelo risco da dívida pública. Então acho que o governo deveria — e não é idéia minha, isso aí é coisa de gestão familiar — não fazer déficit. O (Antônio) Palocci tentou aplicar isso antes de sair, por sugestão do Delfim (Neto), de fazer um déficit zero, porque aí a dívida não cresce, com déficit nominal zero.
Danin Júnior — O PAC está sendo válido?
Como esse discurso de investimento não alcança o povo, mas alcança a mídia, Lula resolveu adotar o PAC, no primeiro mandato não tinha PAC nenhum. Então ele inventou o PAC com preocupação eleitoral, mas também ele está ciente que a taxa de investimento é baixa. Só que PAC rima com pouco, porque ele é pequeno dentro das necessidades. O governo viu que estava vulnerável. O governo Lula, no primeiro mandato, foi no Bolsa Família. Essa crítica que eu faço aos investimentos não permeia muito os debates, porque não chega ao povão. Mas entre os governantes, entre a grande mídia o pessoal sabe que o Brasil investe pouco. Vi um artigo segunda-feira na página 2 do Estadão dizendo que investimento é a mola propulsora, e eu digo que é o calcanhar de Aquiles da economia brasileira, pois é onde a coisa é frágil.
Danin Júnior — Além de ser pouco, o PAC nem anda. Está mesmo empacado...
A idéia que circula entre os economistas é que é preciso passar essas obras do PAC para os municípios e Estados. Os Estados estão com nível de atribuição na Nação muito baixo. Não sei como é aqui, mas lá em São Paulo sai notícias do governo federal e da Câmara dos Deputados; da Assembléia não se tem notícias nem de escândalos. Os jornais de São Paulo, você pega a "Folha" e o "Estadão", são jornais nacionais, eles não dão notícia estadual. Tem um caderno municipal lá, porque senão também desanda. Para você ver, em São Paulo, graças a Deus, não se vê muitas estradas federais. Obras federais deveriam ser passadas para o governo estadual executar. Eu não tenho provas, mas ouvi de um importante senador da República que a obra federal é mais cara que a obra estadual, que é mais cara que a municipal. Isso porque tem gente demais envolvida.
Danin Júnior — Vai aumentando o valor ao longo da obra...
Para o governo federal controlar uma obra aqui em Goiás, para não dizer no Amapá, é só colocar uma placa do PAC e lá “Execução Governo Estadual”. Se der pepino, não vai ser só do Estado.
Cezar Santos — São chamadas obras delegadas.
Esse é o nome técnico, vou até colocar no meu discurso (risos).
“No País se criou a indústria do concurso”
Danin Júnior — O último relatório do primeiro semestre mostra que o desempenho do PAC foi de apenas 7%. Lançou o Minha Casa, Minha Vida e nos primeiros cinco meses o número de contratos já firmados na Caixa Econômica, que é a principal operadora, foi de 3,8%. O que está acontecendo?
O que já aconteceu em outros governos. Lá em Brasília e pessoal da área econômica e de outras áreas costumavam brincar que a gente tem uma prateleira com sacos de bondades e de maldades. O chefe do poder político deve ter falado precisamos fazer alguma coisa, precisa fazer mais investimentos, então você junta sacos da prateleira, coloca um nome bonito no negócio, faz um monte de slides do projeto, em Power Point, chama todo mundo, faz uma solenidade no Palácio, a imprensa cobre tudo. Mas depois tem o day after. Como vamos fazer esse negócio? Lembro que uma vez estava no governo e fizeram um negócio que dependia de financiamento do Banco do Brasil, então o presidente fez uma solenidade, chamou a gente e disse: “Eu quero ver esse negócio na ponta lá no banco amanha”. É mais fácil passar isso aí para frente. Em Brasília a Dilma inventou até um aumento para funcionários do Dnit, não sei nem se passou, para dar gratificação para os caras fiscalizarem obras direito e se empenhar fora do expediente, porque não há gente. Se passar isso para prefeitura, o cara tem que se virar, a bomba sobra na mão dele.
Everaldo Leite — Como o sr. vê essa volta das relações cambiais? Como vai ficar isso no pós-crise?
Se há um fato que diferenciou essas crises, e eu passei por várias, é que dessa vez o Brasil tinha reservas, essa é a grande mudança. Eu passei, na faculdade de economia por quase 40 anos, com um negócio na cabeça chamado escassez de divisas. Você até usava para justificar financiamentos de projetos no BNDES. Por exemplo, vou fazer fábrica aqui, ela vai produzir localmente o que é de importável, então vamos economizar divisas, que sempre são escassas. O que aconteceu? Dessa vez a crise pegou o Brasil com excesso de divisa, ou seja, reserva mais do que suficiente. No início vai ter uma corrida por dólar, muito ligado àquelas questões dos exportadores que tinham financiamentos externos, que ficaram sem dólar, mas depois o próprio Banco Central usou um pouco das reservas. Meirelles vive falando disso, para socorrer esses exportadores. Como a crise foi superando, o dólar já voltou só que não foi, digamos, um surto, mas o paciente está bom. E está ligado também ao fato de o governo ter reduzido muito a dívida dele, ou em dólar, ou dolarizada. Antigamente era assim: vinha a crise, você não tinha dólar. O dólar subia, a inflação subia e o Banco Central subia os juros. Agora veio a crise, o dólar subiu, porque o preço das commodities caiu, depois o dólar foi caindo, ajudando a diminuir a inflação, e o que acontece? O Banco Central baixa os juros. É totalmente diferente, isso nunca aconteceu durante a minha vida. Daí muda totalmente de figura, é impressionante, é a grande mudança. Meirelles não se cansa de dizer isso, o governo hoje é um credor em dólar.
Everaldo Leite — O que o sr. acha dos empréstimos do Brasil para países como Chile e Venezuela?
Há algumas coisas que são justificáveis. O Brasil é um país grande. Por ser grande tem responsabilidade grande. Você tem aí uma Bolívia, Paraguai, o Brasil também ajuda países africanos. Funciona tanto que na época do Delfim (Netto) o Brasil emprestou dinheiro até para a Polônia.
Cezar Santos — Mas emprestar dinheiro até para quem toma refinaria do Brasil?
É, para o cara da Bolívia que toma nossa refinaria tem que dar uma resposta dura. O Paraguai, por exemplo, tem aquela coisa dos brasiguaios, o pessoal do Mato Grosso reclama muito disso, e o Estado não regulariza a situação. Aliás, esses dias o Brasil fez uma grande coisa. Em São Paulo se vê nas ruas muitos imigrantes bolivianos. Fizeram no governo federal uma lei para regularizar esse pessoal, porque o Brasil, se continuar crescendo, vai ter um problema sério de fronteira com países com alta taxa de desemprego, como Peru, Bolívia, Equador e outros. Esses dias andando pelo centro de São Paulo observei que já estão chegando equatorianos ao Brasil, e o Equador não faz fronteira com o Brasil. Vai haver problemas semelhantes aos do México com os Estados Unidos.
Danin Júnior — O sr. participou do plano de governo do governador José Serra, e ele é um dos governadores que está conseguindo de alguma forma liberar um pouco de recurso para investimento. Como ele conseguiu isso em São Paulo?
Primeiro que a arrecadação lá não tem caído muito. E colocou na Secretaria da Fazenda o Mauro Ricardo Costa, uma pessoa muito competente. Máquina de arrecadação tem que trabalhar bem com fiscais. Ele introduziu um sistema chamado Substituição Tributária, que policia essa questão de guerra fiscal. Você faz obra com receita tributária e não-tributária, essa que vem de financiamentos. É mais fácil lá, porque São Paulo tem mais recursos. A coisa, por exemplo, do funcionalismo, é muito bem controlada, não há esses supersalários que existem na área federal, lá não se faz essa quantidade imensa de concursos. Estou sempre em Brasília, e sou ligado à área educacional, e vejo que no Ensino Médio o pessoal não discute mais que faculdade vai fazer, mas que concurso vai fazer. Isso criou uma indústria do concurso. A cabeça dos caras é trabalhar para o governo. Isso está errado. No final, quem vai pagar essa conta?
Danin Júnior — Em 2006, o PT acabou colocando o PSDB como vilão das privatizações. O sr. acha que esse debate vai voltar?
A mídia deu grande importância para isso, mas acho que faltou peito para enfrentar o problema. A atitude do PSDB foi equivocada, deveria ter assumido e ido para o debate.
Danin Júnior — O que o sr. está achando do pré-sal?
Estudei isso e vejo que não há razão nenhuma para mudar o modelo. Acho que deveria aumentar os royalties, porque colocando tudo nas mãos da Petrobras vai demorar muito. Assim anteciparia os resultados, pois poderiam entrar mais empresas. O que está acontecendo aí? Será que o dinheiro do pré-sal vai para fundo social, vai resolver problema de pobreza? Eu tive que ficar um dia e meio lendo para conseguir entender essa questão do pré-sal. Tem muita gente dizendo que não há razão para mudar o modelo, porque teria resultado mais rápido.
Cezar Santos — O governo tem investido muito na questão de Etanol. O pré-sal não vai atrapalhar?
Começou com aquele negócio do Fome Zero, então inventaram o Bolsa Família, daí o preço do petróleo sobe, não acham o pré-sal e o abandonam. Como os Estados Unidos abandonando o etanol. Acho que o governo deveria carregar as duas coisas separadamente. Dizer a eles: enquanto não acharem petróleo aqui, consumam o etanol ali. Não se pode negligenciar isso.
Cezar Santos — Como o sr. vê a economia de Goiás?
Sei pouco da economia de Goiás. Aqui tem pecuária e agricultura. E mineração forte, que pouca gente sabe. Diria que é um bom campo para o Instituto ProEconomia trabalhar estatísticas e melhorar a qualidade e quantidade de informações de Goiás.
Danin Júnior — As desigualdades regionais no Brasil são solucionáveis?
O que influencia muito não é o econômico, mas o demográfico. Uma das coisas mais importantes está acontecendo no Brasil hoje: a taxa de fertilidade está caindo. Com o passar dos anos as coisas se estabilizam. Em vez, por exemplo, de se fazer mais escolas, é melhor se investir em qualidade. Haverá uma proporção maior de pessoas trabalhando. A demografia vai ajudar muito a resolver os problemas de desigualdade social. Moro em Higienópolis, em São Paulo, e lá há mais cachorro do que criança. Tem mais pet shop do que lojas de coisas infantis.
Everaldo Leite — O que o sr. acha das superintendências de desenvolvimento das regiões?
Acho que é uma forma de os Estados terem mais influência. Morei nos Estados Unidos e lá a polícia é municipal, a justiça é municipal. Você vê descentralizações. A descentralização é fundamental num país enorme como o Brasil. Controlar isso tudo pelo país é um grande equívoco.
Selzy Quinta
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