quarta-feira, 10 de junho de 2015

ARTIGO: Tenho vergonha de ser juiz

Por João Batista Damasceno / jusbrasil

Tenho vergonha de dizer que sou juiz. E não preciso dizê-lo. No fórum, o lugar que ocupo diz quem eu sou; fora dele seria exploração de prestígio. Tenho vergonha de dizer que sou juiz, porque não o sou. Apenas ocupo um cargo com este nome e busco desempenhar responsavelmente suas atribuições.

Tenho vergonha de dizer que sou juiz, pois podem me perguntar sobre bolso nas togas.

Tenho vergonha de dizer que sou juiz e demonstrar minha incompetência em melhorar o mundo no qual vivo, apesar de sempre ter batalhado pela justiça, de ter-me cercado de gente séria e de ter primado pela ética.

Tenho vergonha de dizer que sou juiz e ter que confessar minha incompetência na luta pela democracia e ter que testemunhar a derrocada dos valores republicanos, a ascensão do carreirismo e do patrimonialismo que confunde o público com o privado e se apropria do que deveria ser comum.

Tenho vergonha de dizer que sou juiz e ter que responder porque — apesar de ter sempre lutado pela liberdade — o fascismo bate à nossa porta, desdenha do Direito, da cidadania e da justiça e encarcera e mata livremente.

Tenho vergonha de dizer que sou juiz, porque posso ser lembrado da ausência de sensatez nos julgamentos, da negligência com os direitos dos excluídos, na demasiada preocupação com os auxílios moradia, transporte, alimentação, aperfeiçoamento e educação, em prejuízo dos valores que poderiam reforçar os laços sociais.

Tenho vergonha de dizer que sou juiz porque posso ser confrontado com a indiferença com os que clamam por justiça, com a falta de racionalidade que deveria orientar os julgamentos e com a vingança mesquinha e rasteira de quem usurpa a toga que veste sem merecimento.

Tenho vergonha de dizer que sou juiz porque posso ser lembrado da passividade diante da injustiça, das desculpas para os descasos cotidianos, da falta de humanidade para reconhecer os erros que se cometem em nome da justiça e de todos os “floreios”, sinônimos e figuras de linguagem para justificar atos abomináveis.

Tenho vergonha de dizer que sou juiz porque faço parte de um Poder do Estado que nem sempre reconheço como aquele que trilha pelos caminhos que idealizei quando iniciei o estudo do Direito.

Tenho vergonha de dizer que sou juiz, porque tenho vergonha por ser fraco, por não conhecer os caminhos pelos quais poderia andar com meus companheiros para construir uma justiça substancial e não apenas formal.

Tenho vergonha de dizer que sou juiz, mas não perco a garra, não abandono minhas ilusões e nem me dobro ao cansaço. Não me aparto da justiça que se encontra no horizonte, ainda que ela se distancie de mim a cada passo que dou em sua direção, porque eu a amo e vibro ao vê-la em cada despertar dos meus concidadãos para a labuta diária e porque o caminhar em direção a ela é que me põe em movimento.

Acredito na humanidade e na sua capacidade de se reinventar, assim como na transitoriedade do triunfo da injustiça. Apesar de testemunhar o triunfo das nulidades, de ver prosperar a mediocridade, de ver crescer a iniquidade e de agigantaram-se os poderes nas mãos dos inescrupulosos, não desanimo da virtude, não rio da honra e não tenho vergonha de ser honesto.

Tenho vergonha de ser juiz em razão das minhas fraquezas diante da grandeza dos que atravancam o caminho da justiça que eu gostaria de ver plena. Mas, eles passarão!

 

João Batista Damasceno é doutor em Ciência Política e juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Membro da Associação Juízes para a Democracia (AJD).

por Ylena Luna

COMENTARIOS

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André C. Neves Advogado

7 votos

Dr., permita-me uma sugestão: mude este pensamento para "Tenho orgulho de dizer que sou um Juiz diferente da maioria, que dedico meu tempo e esforço diário para construir, ainda que um tijolo por vez, um mundo melhor." Siga na luta e saiba que dentre nós advogados há muitos que compartilham dos seus ideais de vida, inclusive este que aqui escreve. Abraço.

4 horas atrás Responder Reportar

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Marcos Raibolt

2 votos

Se ele mudasse o pensamento pra esta forma que você colocou, o texto não teria tanta repercussão. Penso que a motivação foi justamente esta, mostrar o descontentamento de um magistrado com o meio no qual está inserido. Ademais, que ele é "diferente da maioria", é algo indubitável e implícito em um texto deste calibre!

33 minutos atrás Reportar

Luciene S. Pontes

5 votos

Parabéns a pessoa que publicou o depoimento e ao autor, que não conheço, mas já admiro. É de um juízes com essa postura, pautados na ética e que façam diferença ao proferir suas decisões que este país necessita . Parabéns Dr. João Batista Damasceno,

3 horas atrás Responder Reportar

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Luiz Manesco

4 votos

Dr. João Batista Damasceno, o senhor não está sozinho nesta luta. Se servir de consolo lembre destas palavras: "Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados!" Evangelho São Mateus 5:6

4 horas atrás Responder Reportar

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Mara Furtado

2 votos

Que bom que o senhor tem vergonha. Isso mostra que é diferente.
Mas fique firme. Precisamos de pessoas assim no poder.
Caráter é algo que deve se orgulhar.
E isso, acredito que o senhor tem.
Parabéns! Isso nos anima. Fique firme. O caminho é este.

2 horas atrás Responder Reportar

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Hygor Marques

2 votos

Nobre Magistrado, é na toga que reside a esperança do jurisdicionado!
Como visto, a toga de Vossa Excelência revela humanidade, respeito e uma séria aplicação da justiça. Parabéns!

1 hora atrás Responder Reportar

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Francisco Muglia

1 voto

Parabéns Dr. pela postura. O Sr. acabou de mostrar-me um excelente motivo de orgulho: a retidão de seu caráter.

2 horas atrás Responder Reportar

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Eunizia Rodrigues Correia

1 voto

Parabéns V. Excelência, isto significa que você é MUITO diferente dos demais colegas de profissão.
Mas continue firme no seu pensamento e caráter, são poucos que chegam onde o Sr. está e permanece na humildade, pureza e sinceridade de coração.

52 minutos atrás Responder Reportar

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Jose Antonio Felix

1 voto

Coragem Exª, não esmoreça. Sua postura nos faz ver uma luz no fim do túnel, escurecido pela corrupção, tráfico de influência, carreirismo, vaidade, arrogância, pela mesquinhez , e de tantas outras mazelas que assolam nossa sociedade que, não raro, temos a sensação que lutamos uma batalha perdida. Obrigado pelo sopro de esperança.

48 minutos atrás Responder Reportar

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Jurandi Moreira de Melo

1 voto

Mesmo assim Dr. eu fico pensando, como seria o mundo sem os juizes.
Eles, assim como os que compõem esse poder, ainda podem revolucionar o nosso País, ao lado da sociedade.

38 minutos atrás Responder Reportar

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Gustavo F. Nardelli Borges N. Borges

1 voto

Lute Magistrado, lute sem fim. Como no chavão, o silêncio dos bons é mais temerário do que o grito dos maus.

37 minutos atrás Responder Reportar

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Ma La

1 voto

DOUTOR, gostei muito de seu texto, sua sinceridade, simplicidade e humildade. Porem, gostei ainda mais da seguinte parte: "Acredito na humanidade e na sua capacidade de se reinventar, assim como na transitoriedade do triunfo da injustiça. Apesar de testemunhar o triunfo das nulidades, de ver prosperar a mediocridade, de ver crescer a iniquidade e de agigantaram-se os poderes nas mãos dos inescrupulosos, não desanimo da virtude, não rio da honra e não tenho vergonha de ser honesto." Penso como o senhor!
Parabens!!

33 minutos atrás Responder Reportar

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Carlos Piola

1 voto

Tenho vergonha de dizer que sou Advogado, pois NÃO existe princípios entre os mesmos...........
Parabéns pela sinceridade

31 minutos atrás Responder Reportar

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Roberto Sant Anna Filho

1 voto

Com todo respeito, defendo que o sr. deva se exonerar. Conheci pessoalmente o Juiz João Batista Herkenhoff, cuja história registra militância quixotesca nos tempos mais negros da ditadura militar, não se deixando abater mesmo após sua cassação.

30 minutos atrás Responder Reportar

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Roberto Sant Anna Filho

1 voto

Com todo respeito, o sr deve se exonerar.
O registro histórico da atividade de seu homônimo, Dr. João Batista Herkenhoff, nos tempos negros da ditura indicam a postura do magistrado.

26 minutos atrás Responder Reportar

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Roberto Sant Anna Filho

1 voto

Com todo respeito, lamentar sua incompetência publicamente não me parece ser a postura combativa do magistrado. Pode ser medida na atuação do Dr. João Batista Herkenhoff, conforme registra a história.

21 minutos atrás Responder Reportar

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Alex Menezes

1 voto

Esse é o Brasil: Uns sentem vergonha de serem juízes e outros (muitos) sentem orgulho de serem malandros. Rui Barbosa está atualíssimo.

20 minutos atrás Responder Reportar

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Mario Soares

1 voto

Os honestos literalmente tem vergonha. Porem precisamos mais do que isso.

19 minutos atrás Responder Reportar

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Pedro Ivo Marques

1 voto

João B. Damasceno, um ser humano que reconhece as falacias da humanidade que, infelizmente se encontra na administração daqueles que fazem da justiça um cabedal de oportunidades particulares.
A cada dia que passa, isso na militância da advocacia e docência, percebo que crescemos como seres desprovidos de humanidade, que paradoxo!

16 minutos atrás Responder Reportar

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Jotace Riodejaneiro

1 voto

Posso até estar enganado, mais percebo que esse tipo de argumento esta virando moda, todo dia tem alguém super estabilizado em relação a ter um grande salário reclamando da situação miserável desse país, e se passando por um pobre coitado... Infelizmente, fala fala e se passará mil anos e irá continuar na mesma situação!!! "Iper e mega feliz por dentro, e super triste por fora" Ser humano.....

12 minutos atrás Responder Reportar

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Michel Scapini de Carvalho

1 voto

1) Nunca se construiu de fato justiça quando os juízes arvoraram-se a ser legisladores;
2) Duas das maiores críticas da sociedade ao Judiciário são a impunidade que promove (quando lava as mãos por razões processuais) e o corporativismo. A ação "social" de juízes nunca resolveu esses problemas.

10 minutos atrás Responder Reportar

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Alexandre Siqueira

1 voto

Este pensamento, externado através de um desabafo tão impactante, traz ânimo para nós concurseiros, que almejamos uma cadeira na Magistratura.
Obrigado Excelentíssimo Doutor João Batista Damasceno.
Tenho orgulho de pessoas como o senhor!!!

8 minutos atrás Responder Reportar

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Daniel Araujo

1 voto

Excelente exposição de tantas coisas que nos envergonham a todos.
Que sua disposição de continuar lutando pelo ideal seja mantida a cada dia, apesar de tudo que seguirá sendo motivo de desânimo.

7 minutos atrás Responder Reportar

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J. R. Santana

1 voto

Fico feliz em ler um texto tão nobre e inspirador e ao mesmo tempo solidário ao autor, pois sempre tive vontade de dizer coisas assim e de certa forma o fiz tempos atrás quando impetrei dois habeas corpus contra um decreto presidencial.
Infelizmente esta é a dura realidade em que vivemos... um mundo de mentiras e utopias falaciosas da mídia de massa e uma nação dormente e paralisada diante poder público que hoje nada mais é do que sinônimo de corrupção e engano.
Todos encenam seus papéis e o mundo segue adiante adentrando a globalização da Nova Ordem Mundial, centralizada na pessoa dos poderosos banqueiros donos dos Bancos Centrais Globais e das corporações que engole todos os poderes institucionalizados em todo os quatro cantos do planeta.
Minha indignação e protesto em alto e bom tom a todas Corporações internacionais e ao cartel de banksteres privados que comandam o FED, e demais bancos centrais do mundo e que estão afundando a humanidade em uma dívida global de quase 1 quatrilhão de dólares americanos ou o equivalente a quatro vezes o PIB global, portanto, uma dívida impagável e que a qualquer momento a conta vai chegar para todo terráqueo.
Grande abraço a todos!

3 minutos atrás Responder Reportar

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Aurilene Prado

1 voto

Texto muito lindo, honestamente é raro aqueles que puxam para si a responsabilidade dos rumos que nosso país vem tomando, mas se sinceramente, se Vossa Excelência se comporta como mencionado acima recorrendo -se a sua consciência na ocupação que exerce, temos orgulho de tê-lo como juiz e quem dera o concurso para magistratura pudesse também incluir prova de caráter e honestidade "de verdade".

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