terça-feira, 5 de maio de 2009

Opinião - Maria da Penha: voando baixo -

 

POR: Aristóteles Sakai de Freitas

 

Mulher agredida pelo marido com um extintor de incêndio; sequestro de uma garota pelo próprio pai; avião monomotor roubado em escola de aviação no Entorno de Brasília-DF; voos rasantes sobre edifícios da Capital; avião cai sobre shopping de Goiânia-GO: eis a receita da maior tragédia aérea ocorrida este ano em Goiás.
Passava das 18h do dia 12 de março de 2009 quando um monomotor se espatifou sobre vários carros estacionados no shopping Flamboyant, provocando pânico sobre 10 mil pessoas que frequentavam o maior shopping da Capital do Estado. Para alguns, a referida tragédia era o retrato falado do fim do mundo; mas, para o piloto Kleber Barbosa da Silva, tudo não passava de um dia de treinamento, rumo ao voo suicida que o levaria à realização do sonho de morrer pilotando perigosamente. A tragédia só não foi maior porque Deus é grande e o piloto parece ter errado por pouco o alvo; mas também não foi menor porque a pequena Penélope Barbosa Correia estava a bordo da aeronave e morreu junto com o pai. Nenhuma vítima em solo. Graças a Deus.
Os motivos da tragédia foram exaustivamente abordados em programas de auditório e telejornais País afora, mas em momento algum se falou em violência doméstica, talvez pelo fato de tudo ter ocorrido fora do ambiente familiar; ou ainda, pela aparente ausência de violência de gênero.
Mesmo sem querer dar ao caso contornos de um clássico exemplo de violência doméstica, somos forçados a considerar aspectos interessantes nessa tragédia que merecem um aprofundamento à luz da Lei Maria da Penha.
Um: para realização do plano suicida Cleber atentou contra a vida de sua mulher, aparentemente porque ela se opunha a esse intento, o que em tese afastaria a violência de gênero; dois: o sequestro da filha, Penélope, e sua submissão em cárcere privado, que se perpetuou até a morte trágica de ambos, é fato relevante perante os princípios de defesa da vida, insertos na referida Lei nº 11.340/2006; três: ao levar a efeito seu plano suicida coletivo, sem considerar os veementes apelos de sua mulher e de sua filha, Cleber nivelou por baixo os valores do outro, considerando nada a vida das duas mulheres que Deus lhe confiara.
Dessa impressionante tragédia, nos permitimos fazer a reflexão seguinte: a violência doméstica quando extrapola os limites do domicílio familiar pode transformar-se numa arma letal contra a sociedade. Até aqui, as preocupações com a violência doméstica se limitavam a apurar fatos e prevenir danos contra os membros de determinada unidade familiar. Agora, percebe-se que o problema pode alcançar proporções que fogem ao controle da família, do Estado e da própria sociedade. Se for certo que somente pessoas desequilibradas se mostram dispostas a patrocinar tragédias envolvendo número ilimitado de vítimas inocentes, certo é também que o número de agressores domésticos com transtornos de comportamento é cada vez crescente. Fica o alerta às autoridades do setor.
A violência doméstica, que já ocupa lugar de destaque entre as ocorrências policiais – sendo a segunda mais noticiada no Disque Denúncia do Rio de Janeiro-RJ –, deve ser combatida com melhor estrutura policial e desestimulada por meio de campanhas preventivas de caráter permanente. Sabemos que nem todos os casos de violência doméstica derivarão para tragédias como essa do avião sobre o Flamboyant. No entanto, identificamos nesse trágico evento perigoso precedente à violência doméstica coletiva. Assim como no Direito, o acessório segue o principal, na violência doméstica, a ficção imita a vida real. Com tantos malucos de plantão nas famílias brasileiras, ninguém duvide das loucuras menos originais que ainda teremos que presenciar.
Diante dessas evidências, a sociedade não pode cruzar os braços como quem espera as coisas melhorarem com o tempo. Nós podemos até permitir que os pássaros sobrevoem nossas cabeças, mas não devemos permitir que façam ninho sobre elas. Se a violência doméstica não for combatida com firmeza e real interesse do governo, num futuro não muito distante um avião poderá pousar sobre nossas cabeças, interrompendo para sempre o nosso legítimo direito de ir e vir.
Aristóteles Sakai de Freitas é delegado da Deam/GO (aristotelessakai@gmail.com)

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