Gonçalo Armijos Palácios
Não se estimula a capacidade dos estudantes sem o respeito pela sua individualidade Para evitar, e superar, visões errôneas sobre o que é a filosofia, não podemos ignorar que ela, propriamente, não está no passado. A história da filosofia é que, num sentido, está no passado. No presente temos o filosofar. E que é o filosofar? É um processo que possui pelo menos estes momentos: é um espantar-se, um tomar consciência de que há um problema, em primeiro lugar, um desejo de achar meios de entender o problema, ver se tal problema já apareceu e recebeu alguma solução e, por último, se não houver soluções, ou as que foram dadas não nos satisfazem, uma tentativa de resolver, nos mesmos, esses problemas. Para isso, naturalmente, precisamos de determinadas condições. E aqui é necessário fazer uma pausa, antes de falarmos dessas condições. Assim como ninguém imagina que a Química, a Física ou a Biologia devam ser ensinadas no Ensino Médio para fazer dos estudantes químicos, físicos ou biólogos, nem a Literatura faz parte da grade curricular para tornar os estudantes escritores, não podemos esperar que a Filosofia faça parte de uma grade curricular para fazer dos estudantes filósofos. Entretanto, nossa experiência como professores nos mostra que em todas essas disciplinas há estudantes que se destacam por terem vocação para uma ou outra coisa, para os números, para o cálculo, para as fórmulas, para processos químicos ou biológicos, assim como para as letras, para a escrita e para a reflexão própria. Ocorre com os jovens, em todas essas disciplinas, como ocorre com jovens e crianças na música. Há quem demonstre ouvido e aptidão musicais desde cedo. Assim, a diferença que podemos ver entre um jovem músico e um velho profissional não é de natureza. Não é que o jovem simplesmente está, ainda, fora da música e o velho profissional está dentro dela, o que faria de segundo um músico e do primeiro um não-músico. Há uma diferença de grau dada pela vivência, pela experiência, mas não de natureza. Não é incomum que um jovem intérprete toque melhor uma peça musical que o próprio compositor, que pode ser um músico consagrado. Da mesma forma, uma excelente redação de um jovem, ou de uma criança, não se diferencia, em natureza, de um bom texto de um escritor. De novo, há uma diferença de grau, não de natureza. Do mesmo modo, uma reflexão lúcida de uma criança não deixa de ser menos inteligente, por ser de uma criança, que a reflexão lúcida de um adulto. Sem esquecermos que podemos conhecer crianças cuja tendência é a de fazer reflexões ou comentários lúcidos e, por outro lado, adultos cujas reflexões podem deixar muito a desejar do ponto de vista intelectual. O fato é que a racionalidade pode manifestar-se muito cedo na vida de uma pessoa, e, certamente, se manifesta, com força surpreendente, em muitas crianças que conhecemos. Aí estão, em geral, as condições para considerarmos, todos nossos estudantes, futuros grandes escritores e escritoras, historiadoras e historiadores, médicas e médicos e, naturalmente, futuros grandes pensadoras e pensadores: as capacidades inatas dos jovens. Essas são as capacidades subjetivas que devem encontrar o terreno fértil no sistema de ensino. O que nos leva às condições objetivas, entre as quais, sem dúvida, está um sistema escolar pensado para o crescimento do estudante e o desenvolvimento de suas próprias capacidades, não para o famigerado “repasse” de conhecimentos. Estimula-se a capacidade do jovem quando se respeita sua individualidade — o que pressupõe o respeito pela diferença. 2 Parte de uma conferência ministrada no Instituto Anísio Teixeira, em Salvador, em 19 de novembro.
GONÇALO ARMIJOS PALÁCIOS, filósofo e professor da UFG, é articulista do Jornal Opção.
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