Por: Solange Azevedo da Revista Época
Farah deixa a universidade em que estuda, em São Paulo. Ao sair da cadeia, em 2007, ele começou a estudar Direito. Hoje cursa também filosofiaDe cabeça baixa, calva à mostra, ele vasculha uma imensa bolsa preta de alças compridas. Estende a mão direita, olha nos meus olhos e faz um desafio:
- Me acha nesta foto.
Uma porção de alunos do Brasílio Machado, um colégio público da Vila Mariana, na Zona Sul de São Paulo, sorriem em preto e branco. Meninas sentadas à direita, meninos à esquerda. Era 1966. Aponto uns quatro ou cinco adolescentes e não acerto.
- Então eu não sei, Farah.
- Vou dar uma dica, estou na primeira fila.
- É este?
- Não.
- Este?
- Também não.
- Então só sobrou o que está de óculos, mas não pode ser. Você me disse que, naquela época, ainda não usava óculos.
- Deve ser reflexo. Aí eu tinha 17 anos. Só descobri que era míope depois, quando fui tirar a carteira de motorista.Cabelos lisos caindo pela testa, estilo tigelinha, Farah Jorge Farah era um dos garotos mais belos da classe. Ao guardar na bolsa o retrato daquele menino de semblante tranquilo e feliz, ele ressurge em 2009: um sexagenário solitário, emocionalmente instável, que vive atormentado. No ano passado, Farah foi condenado a 13 anos de prisão por ter matado Maria do Carmo Alves, sua ex-amante, e por ter ocultado o cadáver.
Passou quatro anos e quatro meses na cadeia. Obteve, na Justiça, o direito de recorrer em liberdade. Enquanto espera a sentença definitiva, diz que tenta "juntar os cacos". "Não sou o que as pessoas pensam, minha índole não é ruim", afirma. "O que fiz foi de maneira irrefletida, impensada. Houve luta. O estresse foi tão grande que minha cabeça balança até hoje, ainda estou confuso. Talvez, quando Jesus voltar, Ele me faça entender o que aconteceu."
Farah me recebeu diversas vezes nas últimas semanas. Foram 11 horas de entrevistas feitas pessoalmente, mais de duas horas por telefone e uma extensa troca de e-mails. Encontrei um homem de aparência frágil, de boné, com a espinha levemente curvada pelo uso de uma bengala, fala mansa, que se considera vítima da incompreensão social.
"O povo quer a minha punição ad aeternum (eternamente)? Quem não comete pecados? Sou um ser humano, seres humanos agem de forma intempestiva", diz. Farah se esforça para mostrar-se inofensivo, apegado à família e versado em religião e filosofia. Olhares e palavras - ora em tons frágeis, ora irônicos - sugerem que, muitas vezes, ele diz bem menos do que gostaria. Na primeira conversa, logo me perguntou: "Já leu a respeito do julgamento de Sócrates?".
Maria do Carmo chegou à clínica de Farah, na Zona Norte de São Paulo, por volta de 18 horas. Era 24 de janeiro de 2003, uma sexta-feira chuvosa....
Selzy Quinta
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