terça-feira, 28 de julho de 2009

Clientes pagam serviço, mas não tiram CNH

Corrida contra a rigidez da lei para habilitação fez com que empresas recebessem matrículas acima de sua capacidade para formar condutores

Marcondes Maciel/DC

Carlos Henrique disse que pagou as parcelas, fez aulas teóricas, mas ainda não foi chamado para exames

MARCONDES MACIEL
Da Reportagem
A corrida às auto-escolas antes da mudança da lei que ampliou as exigências para a retirada da CNH (Carteira Nacional da Habilitação) vem causando transtornos e prejuízos a muitos alunos que fizeram sua matrícula, efetuaram o pagamento e ainda não foram chamadas para fazer os exames. Muitos sequer fizeram o psicotécnico ou receberam as aulas teóricas do Detran. O resultado dessa demora, que em alguns casos chega a um ano, é o aumento das reclamações no Procon contra as auto-escolas e o crescente número de processos nos juizados.
Só no Procon estadual foram protocoladas este ano cerca de 20 reclamações contra empresas do segmento de automóveis. Os motivos de maiores reclamações são os serviços não-concluídos e as rescisões unilaterais de contrato, sendo a maioria delas relacionadas às auto-escolas.
Em Cuiabá, pelo menos 10 auto-escolas estariam sendo processadas ou acionadas pelos órgãos de defesa do consumidor. “Fiz o pagamento integral das parcelas e, após quatro três meses da assinatura do contrato, sequer cheguei a ser procurado pela auto-escola. Eles se recusavam até mesmo a falar comigo e foi preciso ameaçar com processo para marcarem o psicotécnico. Mas, passados seis meses, ainda não fiz a prova teórica”, conta o representante comercial Fernando Guimarães.
Segundo ele, a demora está lhe causando prejuízos financeiros. “Preciso viajar e, apesar de possuir carro, não tenho habilitação para dirigir”. Ele já procurou um advogado e irá processar a auto-escola por perdas e danos morais e materiais. A auto-escola funciona no CPA.
Uma das auto-escolas mais criticadas é a “Pontual”, localizada no CPA-I. “De pontual mesmo só o nome, pois o que eles sabem fazer é dar calote e não cumprir o que prometem”, diz Luiz Antônio dos Santos, parente de uma das vítimas.
Denúncias contra a auto-escola não faltam. Em apenas uma casa, no bairro CPA, três pessoas foram lesadas pela “Pontual” e já estão recorrendo à Justiça para reaver os valores pagos e exigir indenização por perdas e danos morais. Elas assinaram contrato com a auto-escola em dezembro do ano passado e até agora ainda não foram chamadas sequer para fazer a prova teórica, apesar de já terem efetuado o pagamento referente aos três contratos.
“Depois de mais de três meses e muitas reclamações, conseguimos fazer com que a auto-escola marcasse as aulas teóricas do Detran. Eles nos enrolaram o tempo que puderam, sempre falavam que o sistema do Detran estava fora do ar. E mesmo com as insistentes cobranças para eles marcarem a prova, ainda não fomos atendidos. Até o telefone da auto-escola foi trocado para que as pessoas fiquem impedidas de fazer reclamações”, afirma uma das alunas.
O analista de crédito Carlos Henrique Alves Nogueira, também residente no CPA, diz que a auto-escola ainda não o chamou para a prova teórica. “Paguei todas as parcelas, fiz as aulas teóricas em março e até agora não fui chamado para os exames”. Ele está contratando advogado para entrar com processo no Juizado Especial contra a Pontual por perdas e danos morais e para fazer a rescisão contratual. “Estou há meses com o carro na garagem, mas sem poder andar”, lamenta-se.
O caso mais sério é o de um técnico em manutenção de equipamentos morador do Residencial Santa Inês, que assinou contrato com a empresa em agosto de 2008 e até agora não foi chamado para fazer o exame prático. “Não vou mais implorar a ninguém, só quero minha transferência para outra auto-escola”, diz, acrescentando ter formalizado reclamação na Ouvidoria do Detran. “Pretendo também entrar com processo no Juizado Especial e exigir indenização por perdas e danos morais”.
AUTO-ESCOLA – O proprietário da Auto-escola Pontual, Odirlei Aquino, diz que assumiu a empresa no final do ano passado “com muitos problemas”. Mas admitiu que errou ao permitir que um grande número de alunos fizesse suas matrículas na auto-escola mesmo sem a empresa ter condições de atender a todos dentro dos prazos estipulados. A empresa possui apenas seis carros, o que daria para atender 60 alunos. Contudo, o número de contratos assinados no final de 2008 passou de 100, gerando acúmulo de processos e transtornos no atendimento.

Ouvidoria do Detran registra até 90 reclamações mensais


Na Ouvidoria do Detran (Departamento Estadual de Trânsito), o número de reclamações contra as auto-escolas de Cuiabá tem aumentado nos últimos meses. “Por dia, registramos duas ou três reclamações. No mês, chegamos a ter cerca de 90 registros”, conta o coordenador da Ouvidoria, Teobaldo Witter.
A maioria das queixas, segundo ele, diz respeito à demora no encaminhamento dos processos. “Quando recebemos a reclamação, damos início ao processo e convocamos a auto-escola em um prazo de 24 horas para um acordo sem a necessidade de abertura de sindicância”, explica Witter.
Quando não há acordo entre a auto-escola e o aluno na Ouvidoria, é gerada a sindicância. “Nos casos mais complicados, encaminhamos o processo à Corregedoria do Detran, que faz nova intimação à auto-escola. Esgotado o diálogo sem que tenha havido um entendimento, a Corregedoria poderá determinar o descredenciamento da empresa e a suspensão de suas atividades”.
Teobaldo Witter informa que muitas escolas já sofreram sanções e ficaram impedidas de fazer novas contratações até resolver a situação dos alunos que já estavam regularmente matriculados e aptos a serem atendidos.
SINDICATO – Para o presidente do Sindicato dos Centros de Formação de Condutores de Mato Grosso, Humberto de Campos Silva, o grande número de reclamações se deve ao excesso de alunos contratados pelas auto-escolas no final do ano passado. “Muitas pessoas procuraram as auto-escolas e assinaram contrato para se livrar das novas exigências da legislação, que entrou em vigor este ano. Acontece que muitas empresas, na preocupação de atender a todos, acabaram extrapolando o número de alunos em relação à estrutura e capacidade de atendimento da auto-escola”.
Segundo ele, a média de alunos por auto-escola é de 80 na Grande Cuiabá. Mas essa média chegou a passar de 200 em dezembro do ano passado, quando houve uma verdadeira correria aos centros de formação de condutores depois que o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) anunciou mudanças na legislação para a concessão de CNHs. “Os alunos que estão com processos atrasados devem procurar a auto-escola e fazer a cobrança. Outra saída é procurar a Ouvidoria do Detran e registrar a reclamação”, orienta Campos Silva.
Ele garante que apesar do alto número de reclamações, “são poucas as auto-escolas” que estão com problemas. “Temos mais de 30 auto-escolas funcionando na Grande Cuiabá e não acredito que mais de 10% delas estejam nestas condições”, salienta. (MM)

Consumidor deve tentar ser restituído, alerta o Procon

A assessora especial do Procon estadual, Cristiane Vaz dos Santos, informa que o consumidor pode tentar ser restituído dos valores pagos para a auto-escola quando o serviço não foi prestado adequadamente ou quando houve uma grande demora para realização do mesmo. Entretanto, o dinheiro restituído será proporcional aos serviços prestados. De acordo com a Ouvidoria do Detran (Departamento Estadual de Trânsito), a taxa de transferência para outra auto-escola, quando o aluno a exigir, não passa de R$ 34.
Segundo Cristiane dos Santos, para o consumidor a opção mais interessante nestas situações é exigir o cumprimento do contrato, isso tanto via Procon como via judicial. “Há ainda a opção de o consumidor exigir, concomitantemente, o cumprimento do contrato no Procon e, ao mesmo tempo, pleitear uma indenização por perdas e danos junto ao Juizado Especial”, lembra. No Procon existe um posto do juizado, o que poderá facilitar a abertura do processo ao consumidor que se sentir lesado.
RECOMENDAÇÕES – O Procon faz algumas recomendações para os consumidores evitarem dores de cabeça com as empresas de auto-escola. “A primeira providência poderá ser verificar com parentes e amigos algumas informações sobre a empresa a ser contratada”, aponta Cristiane dos Santos. Outra recomendação é para que o consumidor observe se no Cadastro de Reclamações Fundamentadas, emitidas anualmente pelo Procon, existe alguma reclamação contra a empresa. “Neste cadastro consta o nome das empresas que lesam os direitos do consumidor e pode ser consultado no balcão do órgão estadual de defesa do consumidor ou ainda pelo site do Ministério da Justiça (www.mj.gov.br/dpdc)”, disse ela. (MM)

Diário de Cuiabá

Selzy Quinta

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