domingo, 7 de junho de 2009

Presos e pacientes dividem o mesmo espaço dentro de PS

Falta de condições mínimas de segurança colocam em risco a vida de doentes e funcionários que temem serem feitos reféns

Alci Ribeiro faz tratamento do PS de Cuiabá, onde médicos e enfermeiros o atendem no mesmo espaço onde estão outros pacientes

Silvana Ribas-
Da Redação Jornal A Gazeta

Pacientes do Pronto-Socorro Municipal de Cuiabá dividem espaço com criminosos de alta periculosidade. Falta de condições mínimas de segurança colocam em risco a vida de doentes e funcionários que temem serem feitos reféns. A frágil estrutura torna eminente a possibilidade de resgate ou atentados e é denunciada pelos próprios carcereiros que possuem a difícil missão de resguardar os presos sem uso de armas, muitas vezes do lado de fora das enfermarias, nos corredores. Esta semana, agentes prisionais reivindicavam dois pares de algemas para manter dois detentos presos às suas camas, na enfermaria.

Outro homem, capturado em uma operação da Polícia Federal, acusado de tráfico e assalto a bancos com pena de 37 anos ocupava um dos leitos. Há 10 anos ele foi resgatado de um hospital de São Paulo por membros da quadrilha a que pertencia. O número de detentos em tratamento varia, mas já chegou a 8 em um dia só, informa o major PM Maurício Monteiro Domingues, que comanda o Batalhão de Guardas, responsável pela escolta e vigilância dos criminosos até os hospitais.

O problema é antigo e médicos, enfermeiros, carcereiros apontam que a implantação de unidades hospitalares com enfermarias dentro de presídios seria a solução ideal para o problema. Principalmente do ponto de vista da segurança, que hoje é precária. O próprio major Maurício admite que cada policial designado para escolta de preso fora da unidade, desfalca o efetivo dentro da prisão. "Imagine quando temos que fazer escolta e vigilância de um grupo grande. O custo para o Estado é alto", enfatiza.

No caso dos agentes carcerários que atuam nos Centros Integrados de Segurança e Cidadania (Ciscs) o desfalque é ainda pior. De acordo com a delegada Cláudia Maria Lizita, coordenadora do Cisc Verdão, existe apenas um agente prisional por plantão. Como esta semana haviam dois presos sob custódia no pronto-socorro, o Cisc ficou sem o plantonista e o trabalho é realizado emergencialmente por investigadores, o que contraria as normas. Foi justamente neste Cisc que no início da semana um dos carcereiros reivindicava duas algemas para fixar os presos na cama. Segundo ele, por estarem em quartos diferentes havia muita dificuldade em manter a vigilância da dupla. Um deles, assaltante e o outro um homem que matou um policial e feriu outros dois a facadas, no interior do Estado. Mas a delegada garantiu que haviam algemas e que uma falta de informação entre os agentes prisionais acarretou o problema, já solucionado.

Os agentes prisionais denunciam que os plantões no Pronto-Socorro de Cuiabá são os piores. São turnos de 24h por 72h, em péssimas condições. Falta de local para se alimentar e até das refeições que muitas vezes não são entregues. Não há espaços e nem uma cadeira sequer para ficarem dentro das enfermarias lotadas. O que resta é permanecer em corredores ou no pátio interno do PS. Fazer refeições em bares próximos. Até o uso dos banheiros de funcionários só foi concedido depois de muita "briga". Os agentes preferem não se identificar e alegam que estão sujeitos a punições pelos superiores, ao relatarem os problemas que enfrentam no dia-a-dia. Proibidos de usar armas de fogo, ao contrário dos PMs, questionam que medidas poderiam ser tomadas para impedir uma fuga. Lembram que o grande movimento de pessoas dentro da unidade hospitalar possibilita o acesso de armas ou objetos que possam ser usados pelos criminosos em fugas.

Na opinião deles, muitos dos presos que estão no pronto-socorro poderiam receber atendimento dentro das enfermarias dos presídios e que são subaproveitadas. Agentes prisionais alegam que os ambulatórios dos presídios são subtilizados e, médicos e enfermeiros acabam não cumprindo com a carga horária, delegando o trabalho deles para os carcereiros. "Enfermeiro nenhum vai até os corredores das celas para levar comida ou conduzir presos. Mas querem que nós alimentemos os presos da enfermaria quando tiram folgas nos finais de semana ou feriados", acusa um agente prisional.

O fato é que enfermeiros que trabalham no pronto-socorro também se dizem amedrontados. Em alguns casos afirmam perceber que a situação do paciente-detento não seria de internação, o que gera mais insegurança. Temem, nestes casos, que o criminoso esteja no local com um plano de fuga, pronto para ser colocado em prática. Muitos são irônicos e comentam com os profissionais da saúde sobre a possibilidade de escaparem pulando janelas.

Enfermeiros, por outro lado, criticam a postura de alguns agentes prisionais que, segundo eles, praticamente abandonam os presos que deveriam cuidar. Em alguns casos o paciente precisa ir ao banheiro e os enfermeiros e médicos precisam fazer buscas em todo hospital para localizá-lo, já que está com a chave das algemas. Muitos não esperam o outro carcereiro que vai substituí-lo no plantão e deixam o hospital, indo para casa, sem se preocupar com o que vai acontecer na sua ausência.

O diretor clínico do PSMC, Huark Douglas Correia admite que a situação em relação a esta clientela é bastante delicada, principalmente por não haver um local específico para receber os pacientes dos presídios e delegacias. Eles são tratados sem discriminação e acomodados de acordo com as vagas oferecidas. Huark admite que um convênio com o Estado que permitisse a implantação de uma ala com mais segurança poderia ser a solução. Mas segundo ele, a discussão seria em nível de gestores e não depende apenas do município.

Resgate - Atuando há 15 anos na urgência e emergência do pronto-socorro o médico José Antônio de Figueiredo, 43, coleciona histórias sobre pacientes de alta periculosidade que já passaram pela unidade. Uma delas ocorreu há cerca de 10 anos, quando homens encapuzados invadiram o pronto-atendimento e levaram um homem ferido, que horas antes havia se envolvido em um tiroteio onde um delegado da Polícia Civil foi ferido gravemente. Ameaçado com armas, o médico foi obrigado a se deitar debaixo de uma maca, enquanto o paciente ferido era levado pelo grupo, formado por mais de 10 homens. A ação durou cerca de 5 minutos e deixou aterrorizados e inertes pacientes, médicos e enfermeiros, que não puderam fazer nada.

O grupo de encapuzados acabou abandonando o homem com cerca de 50 anos, próximo ao Trevo do Santa Rosa. Ele recebeu vários outros disparos pelo corpo e acabou morrendo de um ataque cardíaco, depois de passar pelo centro cirúrgico, horas depois. Mas este não é o único caso relembrado. Outro paciente de alta periculosidade conseguiu escapar, depois de ser transferido do PS para o Hospital Geral, mesmo usando algemas nos pés. Foi preso mais tarde, pela dificuldade que teve em caminhar com as algemas presas aos pés. Um caso mais recente foi de um criminoso, foragido da Justiça, que acabou fazendo um disparo dentro da enfermaria, contra outro paciente. A ficha criminal dele foi descoberta depois do atentado. O criminoso usava cadeira de rodas e nunca levantou suspeitas.

Já, por sua vez o assaltante de banco Assis Leite Mauro Filho, 32, na quinta-feira (4), aguardava pela cirurgia ortopédica, na perna esquerda. Ele foi preso pela Polícia Federal no dia 30 de abril, em São Félix do Araguaia (1.200 km a a nordeste de Cuiabá). Se feriu na fuga, ao cair com a motocicleta. Natural de Belém, no Pará, admite que é de "alta periculosidade", já que foi condenado a 37 anos de prisão e agora aguarda decisão do Superior Tribunal Federal (STF), para ser mandado para um presídio com Regime Disciplinar Diferenciado (RDD). Além de ter sido resgatado de um hospital em São Paulo, já fugiu pela porta da frente de um presídio da Bahia. Ao ser perguntado que nota daria para a segurança dispensada a ele, no pronto-socorro de Cuiabá, apenas sorriu e disse que a resposta poderia lhe trazer problemas. Passou por cirurgia no período da tarde e aguarda recuperação no setor de isolamento. Só para vigilância dele estão designados dois policiais militares e um agente prisional.

Outro lado - Os problemas existem, mas a situação está sob controle e nunca esteve tão bem, se for comparada a outros tempos, assegura o gerente de Saúde do Sistema Penitenciário, Sebastião Elson Pereira. Segundo ele, não existe a necessidade de se implantar um hospital voltado para os reeducandos. Tal obra estaria fadada a se transformar em um "depósito" de presos. Segundo ele, hoje apenas os casos graves, que necessitam da estrutura de um hospital, são encaminhados para estas unidades. Lembra que não existem condições do Estado montar uma estrutura hospitalar completa voltada exclusivamente para o sistema prisional.

Quanto as enfermarias dentro das 7 penitenciárias do estado, hoje elas atendem a demanda. Cita que para cada grupo de 500 presos a lei determina que haja uma equipe multidisciplinar, na área de saúde, composta por médicos, enfermeiros, técnicos, psicólogos entre outros. Quanto as denúncias de que as equipes não estariam atuando, Sebastião diz que não procedem. Reconhece que em alguns casos é difícil lidar com profissionais da área médica, que reclamam do baixo salário, que líquido que fica pouco acima dos R$ 1 mil por uma carga de 30 horas semanais. Mas lembra que as queixas partem dos agentes prisionais que relutam em cumprir as escalas nos hospitais que para eles são muito "pesadas". Diz que infelizmente, para muitos agentes e policiais, o trabalho com os plantões fora das unidades não é bem visto e eles preferiam estar dentro das unidades onde a rotina é menos cansativa.

Categoria - Para a vice-presidente do Sindicato dos Investigadores e Agentes Prisionais (Siagespoc), Jacira Maria da Costa Silva, hoje os 1.194 agentes carcerários do Estado enfrentam muitos problemas e este é apenas um. Mas lamenta a falta de mobilização da classe, que não tem se unido para expor esta falta de estrutura junto à autoridades e a comunidade em geral. Lembra que esta semana apenas 52 representantes da categoria participaram de um evento promovido pelo Estado, justamente para mostrar onde estão os maiores problemas. Dos 600 que atuam na baixada cuiabana, apenas 33 participaram. Ela espera que nos dias 18, 19 e 20 os agentes participem da Conferência Estadual de Segurança Pública, que é a última oportunidade da classe colocar e debate os problemas que enfrentam no dia a dia e que poderão ser levados para a conferência nacional.

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