sábado, 6 de junho de 2009

O herói-vilão

 Ivan Maciel de Andrade - Advogado

 


Todo mundo sabe que o Presidente Lula nada tem a ver com a iniciativa do líder do PR na Câmara, deputado Sandro Mabel, nem com a proposta do deputado Jackson Barreto, do PMDB de Sergipe. Nem tampouco com a decisão de muitos outros parlamentares que estão mobilizados para reformar a Constituição Federal com o casuístico e oportunista objetivo de assegurar que não se cumpra um princípio democrático-republicano, inerente às origens e à essência desse regime, que se chama “alternância de poder”. A mobilização inclui até mesmo uma estapafúrdia prorrogação geral de mandatos, no Executivo e Legislativo, indo do Presidente da República a Vereadores.
Desconfio muito da eficiência desse esquema, que estaria pronto para funcionar na hora em que o lulismo, em desespero, julgasse necessário deflagrá-lo. O tempo para sua implementação é curto e não creio que as coisas cheguem a esse extremo. Até mesmo o Supremo Tribunal Federal talvez, se provocado, interfira para bloquear manobras que têm nítido caráter golpista. E a repercussão internacional seria desastrosa tanto para nosso país como para a imagem de Lula.
De qualquer forma, o processo de mudança constitucional continua sendo tramado com grande entusiasmo e tranquila confiança de que, se for posto em prática, terá fácil e pleno êxito. Depende para tanto, certamente, de apoio popular. Mas, pensava-se que o plebiscito canalizaria uma avalanche de votos em favor da solução que garantisse a permanência de Lula no governo. No entanto, as pesquisas mostram que a situação é bem diferente. Há persistente rejeição popular ao terceiro mandato. Será ela suficiente para dissuadir os fervorosos adeptos do continuísmo?
No que a mudança constitucional depender de conchavos e concessões dos parlamentares, não haverá o que temer: a nobre representação popular (que Lula, em outros tempos, tanto menosprezou), “está toda dominada”, parafraseando aquele funk que, até há pouco, estava na moda. Quantos da oposição resistiriam (ou podem resistir) às inúmeras pressões do governo?
Mas não se pode esquecer que a mudança constitucional com que se sonha, desde o início, terá de ser sacramentada através de um plebiscito. Hoje, Lula talvez considere essa solução carta fora do baralho. Além disso, uma consulta popular ensejará, durante a propaganda, críticas pesadas e embaraçosas à honestidade de procedimentos passados e atuais do governo Lula.
Como já explicou Lula, na Constituição (republicana) de nosso país não existe previsão de terceiro mandato. E a vez de ocupar a presidência seria de Dilma Rousseff. Ainda mais: o estado de saúde dela é ótimo. Pelo que nós sabemos, deve ser mesmo. Só não me convenço é de que o seu nome seja competitivo, eleitoralmente, para enfrentar o embalado José Serra. No entanto, os governistas estão confiantes em que o candidato de Lula entrará no páreo com 30% dos votos.
Há, todavia, uma preocupação: a megaexposição do nome de Dilma, promovida pelo governo, é que a levou, sem a menor dúvida, a decolar (ou descolar) nas pesquisas. O seu provisório afastamento – ou diminuição do ritmo de atividades – poderá ser, então, fatal às suas pretensões. As indicações de que esse raciocínio tem bons fundamentos políticos são palpáveis: as notícias sobre o “recesso” de Dilma logo fizeram ressurgir os pruridos golpistas. Enquanto isso, Lula, sorridente, falando de alguma parte do mundo, desautoriza as declarações de correligionários que imaginam possuir fórmulas mágicas, brilhantes, infalíveis, para sua perpetuação no poder.    
Lula está mais para o arguto e pragmático Sancho Pança, companheiro do Dom Quixote de Cervantes, do que para o intelectualizado Hamlet de Shakespeare. Porém, há algo em comum entre Lula e Hamlet. O crítico Harold Bloom diz sobre Hamlet: “Trata-se de um herói que poderia ser considerado um vilão.” Lula, na superação de suas limitações, tem sido um herói. Mas, nas questões éticas de seu governo, usa de sofismas e ambiguidades, como se fosse um herói-vilão.

Selzy QUinta

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