quinta-feira, 26 de março de 2020

Eleições 2020 e o coronavírus: medidas urgentes a serem enfrentadas

Fernando Neisser. FOTO: DIVULGAÇÃO

A pandemia de coronavírus tem potencial de afetar gravemente não apenas a economia e o tecido social, mas também nossa democracia.

Estamos em ano eleitoral e, mesmo aparentemente distantes de outubro, mês das eleições, é possível antecipar que há questões que precisam ser rapidamente equacionadas.

No início de abril é o prazo para que os cidadãos que desejam se candidatar estejam filiados aos respectivos partidos políticos. Isso implica dizer que as tratativas políticas precisam estar em curso e resolvidas nas próximas duas semanas.

Como imaginar que, no exato momento em que cai na sociedade a notícia de que cada um precisará ficar em isolamento pelos próximos meses, as pessoas deveriam estar circulando, dialogando e fazendo política para ajustar seu campo político para outubro? 

Não é só isso. Maio é o mês em que a Justiça Eleitoral fecha o cadastro de eleitores, vedando-se desde então o alistamento de novos cidadãos e as transferências de título eleitoral.

O fechamento de cadastro é um trabalho que exige mão-de-obra intensiva, são milhares de servidores, de sol a sol, lançando dados em um sistema que não tem ferramentas para ser operado remotamente.

Para que se chegue ao fechamento é preciso finalizar o cadastramento biométrico em centenas de cidades cujo prazo vence este ano.

Se não forem alteradas as regras, eleitores podem ter seus títulos cancelados se não comparecerem aos cartórios eleitorais.

Mas como exigir isso? E os servidores da Justiça Eleitoral? Eles precisam pegar nas mãos de cada eleitor para tirar-lhes as impressões digitais no equipamento. Impossível neste momento cogitar tal prática.

Com as corretas medidas de restrição que estão sendo publicadas pelos Tribunais Regionais Eleitorais, suspendendo-se inclusive a coleta de biometria, é fácil concluir que mudanças precisarão ser pensadas.

Indo adiante, julho é o mês das convenções; momento em que os partidos reúnem seus convencionais para escolher quem serão os candidatos e candidatas, com quais partidos se aliarão.

A lei não prevê convenções virtuais. São as convenções, por definição, aglomerações de pessoas, a ocorrer exatamente no momento em que o Ministro da Saúde prevê que estaremos chegando no plateau de infectados.

Alguém poderia dizer que basta alterar as leis, mudar datas, prorrogar prazos.

Mas a complicar a questão temos na Constituição Federal o art. 16, que com razão impede mudanças na legislação eleitoral dentro do período de um ano que antecede as eleições.

Desembolar essa situação exigirá reflexão e presteza das autoridades. Parte dos problemas pode ser resolvida pelo TSE, adiando, por exemplo, a implantação da biometria e regulando a possibilidade de convenções virtuais. Não sendo elas proibidas expressamente por lei, poderiam ser autorizadas, por exemplo, em resposta a uma consulta com esse teor.

Outros temas, contudo, precisam ser enfrentados pelo Congresso Nacional, por emenda constitucional, afastando para 2020, em razão da pandemia, a incidência da regra da anualidade, exclusivamente para as mudanças necessárias a readequar o calendário eleitoral. A mesma Constituição Federal prevê, em seu art. 14, § 9º, a preservação da normalidade das eleições.

Não se pode perder de vista que a regra da anualidade é imprescindível para evitar mudanças oportunistas e abruptas e isso deve ser preservado. Todas as demais alterações – inclusive aquelas que tratam de financiamento das campanhas, propaganda, formação de coligações, etc. – devem seguir respeitando o prazo constitucional.

É essencial que Congresso Nacional e TSE atentem urgentemente para estas questões, dando a tranquilidade de que a sociedade precisa quanto à manutenção de sua democracia.

*Fernando Neisser, doutor em Direito pela USP, presidente da Comissão de Direito Eleitoral do IASP e sócio do escritório Rubens Naves, Santos Jr.Advogados

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