terça-feira, 22 de maio de 2012

Ódio de Lula pode travar governo de Dilma e a economia do Brasil

Lula da Silva, ao tentar se vingar do governador Marconi Perillo e dinamitar o sistema partidário, acaba por prejudicar sobretudo o governo de sua aliada Dilma Rousseff, sem perceber que a crise mundial pode “pegar” o país paralisado por CPI e crise política

As capas da revista “Veja” incomodaram os ex-presidentes Fernando Collor, que sofreu impeachmente, e Lula da Silva, que, anos depois e irmanados, querem vingança e procuram desconstruir a publicação da Editora Abril, numa vingança que beira à irracionalid

O ódio gerou Stálin e o stalinismo na União Soviética. O ódio produziu Adolf Hitler e o nazismo na Alemanha. O ódio fabricou Mao Tsé-tung na China. Juntos, os três ditadores provocaram, diretamente, a morte de 110 milhões de seres humanos e desarticularam as economias de seus países. Somando o genocídio socialista aos mortos da Segunda Guerra Mundial, levada a cabo por Hitler — que, no início da batalha, tinha Stálin como aliado, o que a esquerda não aprecia admitir —, a estatística é ainda mais elevada. O ódio e o ressentimento, irmãos gêmeos ou praticamente uma coisa só, parecem produtivos, porque geram movimento e barulho, mas, na prática, no curto e no longo prazo, são paralisantes, porque travam as ações efetivas, aquelas que, às vezes lenta mas laboriosamente, dão resultados para a sociedade. Há uma crise na Europa, mas a Alemanha é uma superpotência econômica, e sem guerra e sem perseguições a outros povos. Aquilo que a Alemanha se tornou, hegemônica em toda a Europa, por intermédio do consenso, é praticamente o mesmo que Hitler tentou fazer, por meio do conflito, entre 1939 e 1945. Embora a terminologia seja forte, correndo-se o risco do reducionismo, pode-se dizer que a Europa é uma espécie de colônia alemã. No lugar de ocupar o chamado “espaço vital”, o espaço físico, a Alemanha capitalista e democrática tornou-se “senhora” das economias europeias. Ao salvar a Europa, como terá de fazer, a Alemanha estará salvando a si própria — seu mercado “interno-externo”. Todos somos críticos da rotina, pois queremos que a vida seja uma eterna revolução-paixão — são as paixões que descortinam um novo mundo para homens e mulheres e os fazem ver a vida de modo diferente. Mas a vida não funciona apenas assim. Por isso é que, depois de toda revolução-paixão, vem um período de calmaria, porque é na rotina que as pessoas constroem seus lares, famílias, sociedades e países. Os adeptos da “escola do ódio” ou da “escola do ressentimento político” pensam diferente: acreditam que pode-se viver e construir desviando-se dos assuntos principais e concentrando-se em picuinhas. É o que está acontecendo no momento. A presidente Dilma Rousseff, uma modernizadora que, pelo menos até agora, escapou dos tentáculos do populismo, está governando o país com equilíbrio e tentando sobreviver a uma crise internacional que, com a globalização, não “pertence” mais tão-somente às economias regionais — é de todos, ainda, é claro, que uns sofram mais e outros menos. Entretanto, se a petista quer governar, propondo ações e sugerindo metas para impedir que a crise externa trave a economia interna, há quem, como os ex-presidentes Lula da Silva e Fernando Collor — que proferiu absurdos sobre o petista, na campanha de 1989 —, não está preocupado com assuntos típicos de estadistas, e sim com questões perfunctórias. A própria Dilma Rousseff comete seus pecadilhos. Sua obsessão com a Comissão da Verdade, provocando descontentamento entre militares e incentivando ataques orquestrados, mas apresentados como espontâneos — na sociedade moderna, com tanta dispersão, como diriam os gurus da Escola de Frankfurt, como Theodor W. Adorno, há escasso espaço para processos não-articulados —, a militares reformados que supostamente torturaram militantes da esquerda na ditadura, pode não ser um bom negócio para seu governo. Não se trata de ser contra a Comissão da Verdade, mas de entender que se começa com revanchismo, e não com o objetivo de iluminar um período da história, a Comissão da Verdade tende a naufragar. Os militares deveriam ser tratados como “parceiros” da empreitada — porque parte significativa deles quer esclarecer os fatos, para que sua história seja reposicionada — e não, desde já, como “inimigos”. O jogo de mocinhos e bandidos não funciona no estabelecimento de uma história coletiva, como sabe Dilma Rousseff, uma política muito bem informada. Fala-se que se vai investigar a ditadura, e com isso certamente os chamados crimes da esquerda — assassinatos de militares, guardas de bancos e justiçamentos de companheiros de guerrilha — não serão lembrados. Serão olvidados para que os militares sejam demonizados. A presidente mudou, mas, quando guerrilheira, não lutava pela democracia. A petista, quando comunista, lutava para implantar outra ditadura, a do proletariado, na qual aqueles que pensam diferentemente dos que estão no poder são presos e, mesmo, mortos. É possível dizer, assim, que a ditadura civil-militar lutava para permanecer no poder e, ao mesmo tempo, contra a ameaça de outra ditadura, a de esquerda. Quem queria a volta da democracia eram os militantes e líderes do MDB e, paradoxalmente, militares como o presidente Ernesto Geisel e o principal mentor de seu governo, o general Golbery do Couto e Silva, que chegou a ser ameaçado de assassinato pelos militares da Linha Dura. Dilma tem uma crise à porta, uma crise capitalista das mais profundas, para a qual não se tem um remédio inteiramente eficaz, e deveria se preocupar mais com isto do que com comissões que querem produzir não “a” verdade, ou “as” verdades, e sim “uma” verdade — a das esquerdas. Retomaremos a questão da crise econômica e a necessidade de se investir em infraestrutura no final do Editorial. Agora, discutamos o ódio de dois políticos.
O Cachoeira de Collor
Collor odiava Lula e Lula odiava Collor. Agora, uniram-se e odeiam a imprensa, o mordomo da hora, e querem regulá-la, esbarrando na falta de “vontade” da presidente Dilma Rousseff. A história de Collor é curiosa e vamos lembrá-la brevemente. Se o leitor quiser um estudo mais amplo deve consultar o excelente livro “Notícias do Planalto — A Imprensa e Fernando Collor” (Companhia das Letras, 720 páginas), de Mario Sergio Conti. A obra conta como o nome de um político provinciano foi construído pela mídia — a “Veja” o pôs na capa com um título chamativo, “O caçador de marajás” — e se tornou presidente de um país-player como o Brasil. A mídia, construída por proprietários, editores e repórteres, não queria Lula da Silva, então Sapo Barbudo, na Presidência da República e, por isso, optou por Collor, um político de Alagoas sem grande experiência nacional, mas de centro e, aparentemente, inofensivo aos interesses capitalistas e à liberdade de imprensa. A maioria dos jornais e televisões, sobretudo a TV Globo, apoiou Collor. A mídia era “sua”. A TV Globo chegou a editar o debate de Lula e Collor para favorecer este. Nem precisava, porque Lula, apavorado e intimidado pela campanha destrutiva movida por Collor — que chegou a pôr no ar sua ex-namorada, Mirian Cordeiro, que disse que o petista pedira para ela abortar (Lula e Mirian são pais de Lurian) —, havia mesmo perdido o debate. A tônica da mídia era sugerir que Lula não estava preparado para governar o país e que Collor era moderno e capaz, quando, se escarafunchassem um pouco mais, os jornais e revistas descobririam o óbvio: nenhum dos dois tinha a mínima noção do que era governar um país continental e complexo como o Brasil.
Ao final, com o apoio da mídia, Collor foi eleito. Durante a campanha, como o interesse era derrotar o Sapo Barbudo, a mídia fez vista grossa e praticamente não detectou o sombrio PC Farias. Percebeu, é claro, mas sem notar que, ali, nascia o ovo da serpente que derrubaria o presidente. No poder, paparicado por áulicos e dotado de uma mente provinciana — apesar do acerto na abertura para os veículos importados, o que possibilitou a melhoria da tecnologia dos automóveis patropis —, Collor julgou-se Deus. Cercou-se de uma equipe incompetente, mas sabuja, e começou a governar como se o país fosse não o Brasil, e sim o Estado de Alagoas. Seu tesoureiro de campanha, Paulo César Farias, o PC, não era integrante do governo, mas continuava arrecadando, como se fosse uma espécie de ministro extraordinário da Arrecadação. PC Farias, astuto mas inculto, não tinha uma visão do país real e de como as elites realmente são e agem. Teria prometido ao chefe que, com a aquisição da TV Manchete, poderiam formatar uma nova TV Globo em pouco tempo. Ganhou a ira de Roberto Marinho e decerto não agradou as outras redes. Collor passou a tratar mal, como se fossem servos, os donos das principais empresas de comunicação do país, como Roberto Civita, da Editora Abril, que edita as revistas “Veja” e, entre outras, “Exame”. Conta-se que uma de suas diversões palacianas era deixar as pessoas consideradas importantes esperando horas a fio, para depois atendê-las brevemente e com ar imperial. Collor não era nazista, mas, no poder, comportava-se como um Führer — um chefe de Estado que não precisava de ninguém, muito menos do Legislativo. Enquanto se afastava da sociedade organizada, brigava com a mídia e demonstrava intolerância com o Congresso Nacional — ao estilo de Jânio Quadros —, deixava o “ministro plenipotenciário” PC Farias agir livremente. Diante do descalabro, a imprensa passou a mostrar o que acontecia e nem precisava de muito esforço. A República de Alagoas, deslumbrada com as facilidades da Corte, e o próprio Collor, com sua Casa da Dindamarca, eram pratos cheios para a espetacularização da política. O resultado é que, ao ausentar-se da vida política do país, acreditando-se integrante de uma Corte de Camelot, Collor sofreu o impeachment e caiu sozinho, tendo como apoio apenas sua mulher, Rosane, com quem se exilou nos Estados Unidos. Rosane, leal ao ex-presidente, foi trocada por uma mulher mais jovem. Fora do poder, tornou-se um homem amargo e há anos rumina contra a imprensa, mas faltava-lhe a oportunidade pública para expressar o rancor. O petismo foi fundamental para sua derrocada, mas Collor não quer brigar em duas frentes, sobretudo porque os petistas estão no poder, e por isso encontrou o alvo ideal em parte da imprensa, notadamente a “Veja”, que foi decisiva para sua queda, ao mostrar os equívocos de seu governo e de seus aliados. O senador do PTB mal percebe que, ao “acusar” Policarpo Júnior de conversar com o empresário do jogo Carlos Cachoeira — fonte de vários jornalistas, possivelmente —, acaba por nos fazer lembrar que falava com PC Farias diariamente. Duzentas ou, como diria Mário de Andrade, trezentas e cinquenta vezes por mês? PC Farias trafegou pelos escaninhos mais sombrios da política e do empresariado patropi. O PT deitou e rolou ao denunciar Collor e seu Sancho Pança mexicanizado. O tesoureiro adorava vinhos e automóveis caros — não muito diferente de outros políticos, como o senador Demóstenes Torres, e empresários, como Carlos Cachoeira. O nouveau riche é igual em quaisquer Estados e países.
A “Veja” e outras publicações “derrubaram” Collor? Não. Eleito pelo voto popular, com o apoio da maioria das publicações, Collor se derrotou. Caiu sozinho. A “Veja”, a “IstoÉ” (que descobriu o motorista Eriberto França) e os jornais só deram um empurrãozinho. Por que Collor caiu? Porque não compreendeu o Brasil real e acreditou, tudo indica, que o poder era seu e permanente. Na democracia, como às vezes se sabe, a presença de políticos no poder é sempre provisória. Os políticos passam e a sociedade e os jornais e as revistas continuam. Ao “espumar” ódio na boca crispada — com o rosto desfigurado pela máscara da maldade irracional —, Collor parece desconhecer de que material a história é feita. De volta ao proscênio nacional, com uma atuação até positiva nas comissões do Senado, o petebista poderia ter reconstruído sua história, não suprimindo os equívocos do passado — não há borracha que apague a consistência de aço da verdade histórica —, e sim apresentando evidências de que havia mudado. Collor parece ter a personalidade arquetípica daquele que conforta-se, em termos psicológicos, dizendo a si mesmo: “Eu não errei. Os outros é que erraram”. Culpar os outros pelos próprios erros às vezes faz a pessoa seguir adiante, viva, mas faz um mal tremendo à convivência social. Porque quem falha e não assume, transferindo a culpa para os outros, não resolve seus problemas reais, pois perde a capacidade de ter autocrítica e, daí, permanece errando. De certa forma, Collor comporta-se como um cangaceiro, à Lampião, na sua vingança palavrória contra a “Veja” e o jornalista Policarpo Júnior.
Ressalve-se: o Supremo Tribunal Federal, uma corte respeitável, apesar de eventuais falhas, absolveu o ex-presidente Collor. Mas uma coisa é certa: o governo Collor não era muito católico no trato da coisa pública. Outra coisa: como a nossa memória é curta — praticamente olvidamos os problemas graves do governo collorido. Em política esquecer é o mesmo que perdoar.
Lula e o mensalão
Não deixa de ser curioso que, 23 anos depois, Collor e Lula estejam irmanados na luta contra a imprensa e alguns políticos. Lula, novamente “incorporado” pelo Sapo Barbudo, está parecido com Collor e este está parecido com o petista. O petista esqueceu o passado mais remoto, o de 1989, quando saiu do pleito “arrebentado” pela campanha sórdida da equipe de marqueteiros pagos pelo político de Alagoas, e pôs na alça de sua mira outros políticos, como o senador Demóstenes Torres, ex-DEM, e o governador de Goiás, Marconi Perillo, do PSDB.
Da estirpe de modernizadores populistas, Lula e Marconi davam-se muito bem. A astúcia de um decerto encantava a do outro. Marconi sempre sentiu-se como uma espécie de “petista honorário” — como seu padrinho político, Henrique Santillo, que, na década de 1980, chegou a se filiar ao PT. Porém, em 2005, quando a mídia divulgou a denúncia de que o governo do então presidente Lula pagava um mensalão para alguns políticos do Congresso Nacional — comprados para apoiá-lo integralmente —, o governador Marconi revelou que havia confidenciado ao petista, num encontro em Rio Verde, em Goiás, que um parlamentar goiano, Sandro Mabel, na época no PR, tentara comprar o “passe” da então deputada federal tucana Raquel Teixeira, hoje executiva da Fundação Jaime Câmara. Além da luva de 1 milhão de reais, a parlamentar, se aceitasse a oferta, receberia mensalmente 30 mil reais. Raquel Teixeira não aceitou a oferta e contou a história a Marconi. Ressalte-se que, depois de chorar durante uma CPI e de fazer um discurso ensandecido, Mabel foi “absolvido” pelo corporativismo de seus pares.
Nos bastidores, Lula culpava, e ainda culpa, José Dirceu pela criação do mensalão. Publicamente, não pode fazer o mesmo, porque estaria culpando a si e ao seu governo, este a fonte pagadora do propinoduto congressual (o ex-procurador-geral da República Antônio Fernando de Souza, na denúncia enviada ao Supremo Tribunal Federal, diz explicitamente que José Dirceu “é chefe de quadrilha”. Como tal, o líder petista tende a ser condenado pela corte suprema e possivelmente será preso). Então, como precisa distribuir a culpa, ao estilo de Collor, Lula elegeu Marconi como seu “inimigo preferencial”, especialmente porque os governadores da periferia do capitalismo, com os Estados endividados, estão sempre de pires na mão mendigando recursos em Brasília, onde estão concentrados os recursos do país.
Petistas contam que, quando ouve o nome de Marconi, Lula fala os mais chulos impropérios catalogados pelos dicionários de palavrões. O petista-chefe acreditava que nunca necessitaria dos préstimos do jovem Marconi. Como a vida é contraditória, rica em eternos retornos, como sugerem Giambattista Vico e Friedrich Nietzsche, um dia, porém, precisou. O segundo governo Lula tentava aprovar a volta da CPMF, para supostamente garantir dinheiro para o setor de saúde. Marconi, como senador, parecia ser a chave para o PSDB, ou parte do partido, apoiar o retorno do “imposto” sobre transações bancárias. Num encontro entre o tucano e petistas, com a intermediação de José Roberto Arruda, então governador do Distrito Federal e filiado ao DEM, Marconi teria garantido ao presidente Lula que, além de votar pela aprovação da CPMF, trabalharia para que outros tucanos seguissem pelo mesmo caminho. Ocorre que, ao contar a história do encontro aos tucanos de São Paulo, Marconi foi pressionado para recuar, sob pena até mesmo de punição.
Acabou votando pela não aprovação do “imposto” e o ódio de Lula, que parecia guardado na geladeira, só aumentou. O presidente disse a petistas goianos que se sentiu “traído” pela segunda vez. No Palácio do Planalto, cercado por áulicos, alguns com doutorado em “sociologia estelar do sabujismo” — os intelectuais prostram-se ante Lula como se cultuassem um deus bárbaro-primitivo e cultor persistente de blagues e chistes —, o presidente ruminou e jurou vingança eterna, como se os homens fossem perenes. Teria dito a um auxiliar: “Um dia, quando ele menos esperar, pego esse moleque na encruzilhada”.
Como nas urnas Marconi impunha derrotas e mais derrotas aos petistas e aliados do petismo, como o PMDB de Iris Rezende, Lula decidiu que o caminho da vingança deveria ser outro. As investigações sobre o senador Demóstenes Torres e Marconi Perillo — que sempre foi o alvo principal, o ex-democrata entrando como parte do “esquema” — começaram em 2009, com Lula ainda como presidente da República. Em 2010, petistas e peemedebistas espalharam uma série de boatos sobre Marconi, sugerindo que não seria candidato a governador, pois havia um dossiê pesado que seria impeditivo. O dossiê era falso e Marconi foi eleito governador, “derrotando” o (ex-)presidente Lula, o (ex-)governador Alcides Rodrigues e o ex-governador Iris Rezende — a quem o petismo havia prometido que o tucano seria “sangrado” durante a campanha, tal o volume de “documentos incriminatórios”. As máquinas federal e estadual não seguraram o tucano. Mas as investigações continuaram, com uma mudança de foco, eliminando-se o dossiê sobre “contas no exterior”, talvez provisoriamente, e partindo-se para um ataque frontal às relações complicadas entre o empresário do jogo Carlos Cachoeira — outro “inimigo” visceral do petismo, especialmente de José Dirceu, o ex-consultor preferencial da Delta Construções (até hoje, infelizmente, a Polícia Federal, sempre atenta e perspicaz, não divulgou quanto o petista faturou nos anos em que emprestou seus serviços à empreiteira) — e o senador Demóstenes Torres e auxiliares do governador Marconi. Como o petismo usou com habilidade o discurso moral, que é capaz de mobilizar a nação — a pátria de chuteiras foi substituída pela “pátria das redes sociais”, às vezes habilmente manipuladas para criar uma sensação de espontaneidade —, tangenciando os aspectos políticos, ideológicos e mesmo o caráter de vingança, o mundo desmoronou e muitos passaram a atacar o democrata e o tucano. Há problemas (irregularidades), alguns graves? Há e a Polícia Federal deve mesmo investigar, assim como cabe ao Ministério Público denunciar, sem contemplação. Mas quem define o que é “crime” não são as redes sociais, a própria polícia e mesmo o Ministério Público. Alguém só é “criminoso” quando a Justiça conclui que deve ser apontado como tal, e ainda há instâncias. Se retiramos da Justiça o seu papel crucial — que é o de julgar com independência e após apresentadas as denúncias-provas e as defesas correspondentes —, tentando passar o seu papel para a sociedade, ou para organismos como polícia e promotores de justiça, que são necessariamente “partes”, estaremos voltando ao tempo dos linchamentos. As redes sociais, instrumentalizadas politicamente — e não apenas pelos petistas, vale acrescentar; tucanos fazem o mesmo, ainda que com menos eficiência —, criaram hordas de linchadores, que, julgando-se impunes, dizem horrores sobre políticos e quaisquer outras pessoas. As redes sociais são excelentes meios ou pontes, mas, como são um fenômeno novo, estamos, todos nós, aprendendo a conviver com sua liberdade e dinamismo. Estamos tateando, em busca de usá-las da melhor forma possível. São úteis para propagar ideias, para possibilitar o encontro e reencontro de pessoas e mesmo para denunciar aquilo que está errado na política e nas empresas. Indivíduos que dependiam exclusivamente dos meios tradicionais — jornais, revistas, tevês e rádios — agora têm outros meios tanto para denunciar quanto para manifestar suas opiniões. Não raro as publicações têm de mudar seus focos devido às pressões das redes. Portanto, o que questionamos não são as redes, que são necessárias e excelentes meios de divulgação, inclusive das reportagens e artigos dos jornais, e sim o uso de sua liberdade para o ataque gratuito, para a instrumentalização ideológica e para a crítica rasa. Enganam-se aqueles que não entendem que as redes vieram para ficar. Contudo, seu formato irá mudando, inclusive com o avanço da legislação.
Num texto clássico e de rara excelência, “Sobre o óbvio”, o antropólogo Darcy Ribeiro insiste que é preciso discutir aquilo que parece óbvio, mas, por algum motivo, acaba não o sendo para a maioria das pessoas (claro que o texto é mais rico do que mostra nossa exposição reducionista). Por isso, a título de esclarecimento, o Jornal Opção defende toda e qualquer investigação séria e rigorosa sobre as atividades dos homens públicos e privados. Sem contemplação, mas frisando que, com as provas apresentadas, o julgamento cabe à Justiça. O “julgamento político” (partidarizado) que tanto agrada às massas — como agradavam aos jacobinos na França de 1789-1793, até que fossem guilhotinados — não é típico das democracias consolidadas. Aproxima-se mais da barbárie. Uma CPI das Empreiteiras, envolvendo gigantes como Odebrecht, Andrade Gutierrez e Galvão Queiroz, revelaria certamente que a Delta de Fernando Cavendish e, agora, da JBS, e o empresário Carlos Cachoeira são “franguinhos de granja”. O capitalismo real é agressivo e impuro por natureza. Porém, como a crítica está politizada, é “melhor” discutir Delta e Cachoeira. O oceano, as empreiteiras de peso, contaminou muito mais, mas uma sociedade não se purga mesmo por inteiro. Purga-se “agredindo” um pedacinho aqui e outro acolá. Mas o país da presidente Dilma Rousseff enfrenta problemas mais graves e sérios do que vinganças pessoais travestidas de combate à moral e aos bons costumes.
Crise afeta o Brasil
A Europa está em crise, a China deve desacelerar seu crescimento e os Estados Unidos tentam se recuperar, com a intervenção do Estado na economia. O Brasil, que não é uma ilha — ilhas só existem em termos geográficos-físicos, mas não economicamente —, já está sendo atingido pela crise internacional. Quando se diz “crise internacional” fica-se com a impressão de que se trata de um problema distante, “dos outros”. Com o mundo globalizado, com as integrações econômicas, ainda que, como sempre frisa o historiador marxista Eric Hobsbawm e o filósofo humanista John Gray (confundido no Brasil equivocadamente como liberal), os Estados nacionais guardem certa autonomia, as crises continentais e mundiais atingem todo o planeta. As economias gigantes são diretamente envolvidas, porque são as mais integradas. A China é um dos principais consumidores de commodities brasileiras. Se desacelerar o crescimento, reduzindo as aquisições, não apenas os produtores rurais vão sentir a crise no bolso. Como a economia é interligada, os fabricantes de veículos, entre outros, venderão menos e, corolariamente, demitirão operários. Recentemente, a montadora de veículos da Mitsubishi em Catalão demitiu dezenas de trabalhadores, porque as vendas caíram. Note-se que a produção de grãos de Goiás chegou a 18 milhões de toneladas (8 milhões de soja) em 2011. Trata-se de um crescimento excepcional, desafiando a crise.
A revista “Exame” publicou uma reportagem especial e o “Valor Econômico” dedicou uma série de artigos explicando o “vigor” da crise. “Crise externa já faz Planalto mirar 2013”, frisa título de “Valor” de quinta-feira, 17. Fica-se com a impressão de que o governo Dilma considera 2012 como um ano “perdido” e, por isso, o crescimento não deverá ultrapassar 3%. É possível que fique próximo do 2,7% de 2011, ou até menos, se a crise europeia atingir o país e outros países com os quais o Brasil mantém relações comerciais.
A reportagem da “Exame”, com o título de “O maior risco somos nós”, começa sugerindo que a crise europeia “não é brasileira, mas não é possível ficar imune a ela”. A questão central é que a turbulência, fruto das crises permanentes das flutuações capitalistas, pode atingir o Brasil de forma menos ou mais intensa. Depende das intervenções governamentais e, também, do comportamento da economia privada. A presidente Dilma Rousseff, devido ao seu estilo austero e à capacidade de decidir — até mais do que Lula, por ser uma modernizadora não populista —, tem a confiança do mercado. Ao abaixar os juros, e ainda assim mantendo a inflação sob controle — exigência basilar da relativa estabilidade do capitalismo —, a presidente trabalha para evitar a desaceleração da economia. É o Estado interferindo para garantir a reprodução relativamente segura do capital. Mas há os gargalos de sempre.
Veja-se o caso específico de Goiás. No momento, o governo de Marconi Perillo está sob pressão do corporativismo sindical, que, aproveitando-se sobretudo do período eleitoral e da relativa fragilidade do governo — acossado por denúncias de uma aliança supostamente quase-formal com o empresário Carlos Cachoeira —, pressiona por reposições e aumentos salariais que, a rigor, o Estado não tem como atender, mas, “acuado”, acaba acatando. Sabe-se que, na empresa privada, as reivindicações salariais são atendidas se há aumento de produtividade; no Estado é diferente — com ou sem produtividade e/ou aumento da arrecadação, o funcionalismo faz suas exigências, que, em geral, são aceitas. Os sindicalistas sabem o momento oportuno de cobrar aumentos. Uma empresa privada na qual a folha de pagamento do corpo de trabalhadores chega a quase 70% — como ocorre no governo de Goiás — e o serviço da dívida aproxima-se de 15%, além do custeio da máquina reduzir ainda mais a margem de investimentos, pode-se considerar quebrada e, portanto, prestes a fechar as portas. Os cerca de 150 mil funcionários ficam com quase 70% da arrecadação do governo. Você leu bem: 150 mil pessoas são donas de 70% de tudo que o Estado arrecada. Como Goiás tem mais de 6 milhões de habitantes, o dado significa que a maioria dos goianos é pouco assistida pelo governo. Por isso, quando são mostradas escolas caindo aos pedaços e hospitais que não funcionam e não têm medicamentos para os pacientes, é preciso lembrar os motivos de o Estado não ter dinheiro em caixa para investir. Goiás só não “explodiu” porque sua economia privada é sólida e faz os investimentos necessários para gerar empregos e renda. Citamos Goiás, mas o problema ocorre em todo o país.
Feito o parêntese, voltemos à presidente Dilma e à crise mundial. Há caminhos para reduzir o impacto da crise. A “Exame” ouviu economistas e aponta cinco caminhos não para que o Brasil escape da turbulência, e sim para reduzir seus efeitos. Primeiro: manter a coerência. “Em um cenário de turbulência, tão importante quanto tomar a melhor decisão é o governo agir sem dar sustos nos investidores e empresários. Isso preserva a confiança e evita solavancos ainda maiores no mercado.” O mercado confia na estabilidade das políticas da presidente Dilma Rousseff. Mas há problemas. No momento em que o país precisa crescer, Lula, com o apoio de alguns aloprados petistas, mas não da presidente, investe no caos, inventa uma CPI do Cachoeira que pode ser uma ducha fria na recuperação e expansão da infraestrutura do país. A CPI parou o Congresso Nacional, que não discute mais a Reforma Tributária e a Reforma Política, perdendo tempo com filigranas que, se chamam a atenção das luzes da mídia, não são úteis ao crescimento da economia. Fica-se com a impressão de que Lula, embora não queira o fracasso de Dilma Rousseff, também não quer um sucesso tão sólido que o faça ser esquecido pelo eleitor. Mas, claro, o petista trabalha para dinamitar o sistema partidário, pois acredita que, agindo assim, vai garantir mais tempo para o PT no poder. A desestabilização da política sempre serviu ao interesse de quem controla o Executivo. Não à toa que o ídolo de Lula é Getúlio Vargas.
Segundo ponto apontado pela “Exame”: repetir acertos. “Em 2008, a liberação dos depósitos compulsórios que os bancos fazem ao Banco Central evitou que as linhas de crédito secassem de vez”. Terceiro: reduzir o gasto público. “O Brasil continua preso a um modelo fiscal de muito gasto e muito imposto.” A revista tem razão em parte, mas, como se sabe, a redução do gasto público deve ser feita com equilíbrio. Na visão liberal, a da revista, deve-se cortar investimentos em saúde, educação e social. O mais prático é reduzir o desperdício. Quarto: retomar as reformas. “A crise atual, nascida de um problema crônico, as elevadas dívidas de países europeus, evidencia a urgência de reformas estruturais na economia”. Quinto: contar mais com o setor privado. “A infraestrutura precária compromete a competitividade das empresas. Com pouco dinheiro, o governo deveria deixar o preconceito ideológico e estimular o investimento privado em aeroportos, estradas e portos por meio de concessões e privatização.” No caso dos aeroportos e algumas estradas, o governo Dilma Rousseff já faz parceria com a iniciativa privada. Há um detalhe não ressaltado pela “Exame”: a iniciativa privada no Brasil quer fazer investimento com dinheiro público, em geral do BNDES.
Se fosse compositora, ou cantora, Dilma Rousseff poderia dizer a Lula: “O Brasil quer crescer, apesar de você”. E acrescentaria: “Entre tapas, sem beijos, com ódio e vingança, não se cresce. Queda-se — paralisado”. A presidente quer concentrar energia em coisas produtivas. Lula recua ao passado, para vingar-se. Não é infantil. É criminoso. O petista precisa entender que é maior do que quer ser. 

Fonte: Jornal Opção

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