quinta-feira, 22 de setembro de 2011

“Tá com pressa, passa por cima”

Infelizmente, reações como essa são cada vez mais comuns no caótico trânsito brasileiro, que provoca estresse em muitos motoristas, e desencadeia problemas físicos e um estado de intolerância total. Saiba como lidar com essa situação  para evitar desgaste nos congestionamentos

* Diego Ortiz para Território-MT

Estamos em 1950. O personagem Pateta, aquele cachorro estabanado de Walt Disney, pega o seu carro e, ao girar a chave, transforma-se em Mr. Wheeler, um monstro que sai fazendo barbaridades no trânsito. Familiarizou-se com a cena? Pois bem, desde a época do desenho, a quantidade de carros no mundo mais que quintuplicou, e o trânsito ficou infernal em vários pontos do Brasil.

Como a estrutura das cidades não evoluiu no mesmo ritmo, os motoristas ficam dentro de seus automóveis horas a fio, em um “anda e para” cansativo, que compromete a qualidade de vida e a produtividade no trabalho. Mais: pode gerar um elevado nível de estresse em quem está ao volante. Em muitos casos, ter um carro – sinônimo de conforto, praticidade e status –, às vezes acaba representando uma espécie de confinamento, dependendo dos quilômetros e quilômetros de engarrafamentos. Mesmo assim,  apesar do desgaste, a maioria prefere ficar “preso” no trânsito do que espremido em transportes coletivos.

O problema é que perder minutos preciosos no trânsito é capaz de causar uma metamorfose em motoristas, como no Pateta-Mr. Wheeler. Aí é que mora o perigo. Eles vão ficando cada vez menos cordiais uns com os outros. Segundo a psicóloga Márcia Magalhães Fonseca, em situações de estresse, o ser humano recorre a uma reação básica, que pode ser o medo, a fuga ou a luta. Algumas pessoas escolhem o medo: interiorizam o estresse e somatizam sintomas que explodem de uma hora para outra, transformando-se em problemas de saúde sérios, como depressão e baixa no sistema imunológico.

Outras preferem a fuga. Desistem de vez dos carros ou se resignam e acabam achando normal sair de casa duas horas antes do horário previsto para percorrer, por exemplo, 30 km. Em um primeiro momento, parece a iniciativa mais adequada não lutar contra essa realidade. Mesmo assim, esse comportamento trará problemas, como a queda drástica na qualidade de vida. 

A reação mais perigosa e, infelizmente, a mais comum é a luta. A psicóloga Márcia Magalhães conta que o lado egoísta do ser humano é usado como um recurso para a violência. A pressão para não chegar atrasado no trabalho, voltar para casa ou não perder compromissos desencadeia o comportamento verificado hoje nas ruas. Faz lembrar o filme “Um dia de fúria”, em que o personagem vivido por Michael Douglas chega ao limite da tolerância em um congestionamento e começa a agir com um bastão de beisebol. “A situação de estresse do trânsito acirra o nosso lado animal e carrega uma dose diária de adrenalina que nem sempre temos condições de suportar”, afirma.

Essa situação de estresse é reforçada por Bruno Lana, motorista profissional do Rio de Janeiro. Como precisa rodar pela cidade inteira, todos os dias ele se depara com horários de pico e ainda enfrenta as complicações de conseguir uma vaga para estacionar, outro grande problema nos centros urbanos. “Escuto música, vejo e-mail no celular, leio revistas, e os carros não andam. Às vezes dá vontade de abrir a porta e sair correndo”, diz.

O trajeto diário de Bruno compreende uma distância de 34 km para chegar ao trabalho, a sede de uma empresa offshore. O tempo de viagem, que deveria demorar menos de uma hora, chega a duas horas e meia nas sextas-feiras, um tempo assustador e que tem tudo para piorar. Afinal, não há em curso obras de alargamento viário em nenhuma das capitais, e o governo ainda não discutiu seriamente uma real solução para o problema. 

Tolerância zero

O Ministério das Cidades garante que está ciente do problema, mas que trabalha com um meio termo entre o incentivo à compra de carros – que aquece a indústria e cria empregos – e a redução do fluxo de veículos nas ruas. “A indústria automobilística é geradora de postos de trabalho e renda e, por isso, é incentivada pelo governo federal. Mas nosso objetivo é convencer até mesmo famílias com mais de dois carros a usar o transporte público”, diz o secretário nacional de Transporte e Mobilidade Urbana, Luiz Carlos Bueno de Lima. Enquanto isso não ocorre, cerca de 9 500 carros são vendidos por dia no Brasil, criando uma situação que tende a ficar insustentável.   

Todas essas transformações e questões econômicas novamente se voltam para a pergunta central: e como o motorista fica nessa história? Preocupadas com a queda de produtividade que o estresse no trânsito vem causando, algumas empresas estão introduzindo novas práticas de trabalho. Mostram-se mais flexíveis e buscam soluções que permitam ao profissional trabalhar mais próximo da sua residência.

Segundo Julyana Felícia, gerente de RH de uma rede de alimentação, o trabalho remoto e o horário flexível podem oferecer uma trégua na rotina de quem encara o trânsito nas grandes cidades. “O principal problema na vida profissional”, diz a gerente, “é que a pessoa que sofre com congestionamentos chega no local de trabalho estressada e irritada, diminuindo sua capacidade de tolerância diante das diversas situações que ocorrem no cotidiano”. “A produtividade fica afetada e os reflexos do trânsito são vistos na saúde e no estado de espírito dos funcionários”, revela Julyana. 

A empresária Regina Loureiro concorda. Obrigada a cruzar todos os dias a Ilha do Governador, bairro do Rio de Janeiro, até Duque de Caxias, município na Baixada Fluminense, pela Linha Vermelha, ela salienta que é muito difícil manter a calma quando os automóveis não deslancham, espremidos nos engarrafamentos. “Chego no trabalho irritadíssima e às vezes um erro tolo de um funcionário é o bastante para explodir”, confessa. 

Especialistas apontam o estresse psicológico do trânsito como a causa da maioria do problemas que enfrentamos nas ruas. A reação normal é a busca por sensações, o que geralmente supera a lógica e o bom senso. É nesse ponto que surgem as ultrapassagens perigosas, o excesso de velocidade, a disputa com o carro ao lado e, em casos mais extremos, o consumo de drogas e álcool enquanto se dirige. Se nada for feito, o trânsito caminha para se tornar um caso indireto de saúde pública, ainda sem solução. Enquanto isso, muitos Mr. Wheeler continuarão soltos pelas ruas.

problemas causad0s

elo estresse

Variação hormonal

Liberação excessiva de noradrelina a adrenalina (muita adrenalina afeta o sistema circulatório    e causa vasopressão, ou seja, os vasos sanguíneos ficam comprimidos)

• A vasopressão, por sua vez, provoca pressão alta

Taquicardia (coração batendo forte) e Taquipneia  (respiração ofegante)

Mialgias generalizadas (dores no corpo)

Infarto

Acidente vascular cerebral (AVC)

Números

2,5 horas é o tempo gasto para andar 30km em picos de congestionamento

3 tipos de estresse estão relacionados ao trânsito

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