sábado, 13 de junho de 2009

Doenças imaginárias

 

- Jorge de Lima

Tédio e domingo, companhias inseparáveis. Ligo a televisão e deparo com o besteirol do jornalismo de entretenimento com o famigerado dr. Bactéria, e descubro que na pia de minha casa há uma verdadeira colônia de micróbios que podem matar. Na hora imaginei vovó fazendo na pia a antiga “bala de puxa”. Passava ali uma aguinha, soprava de leve, e dá-lhe bactérias para engordar menino! Será que um dia o dr. Bactéria vai abordar o sexo oral ou vai falar de meninos que comem “catota” (meleca de nariz)?
Um dos agentes psíquicos que mais se confundem, seja na hipocondria (mania de doença), nos transtornos de pânico e obsessivo-compulsivo e na neurose fóbica, é o medo de doenças. O medo de passar mal, em uma tentativa intensa de controlar o universo a sua volta, em um mecanismo racionalista autodestrutivo.
A psicodinâmica de quem cai nesse processo fóbico de paranoia frente a bactérias, doenças, capetas, óvnis, é semelhante e denota a fragilidade constante de um indivíduo que nega todo o potencial defensivo do seu próprio corpo. Uma espécie de complexo de inferioridade altamente constelado e que inconscientemente atua de forma rígida e controladora, quase que beirando a onipotência. Assim, embora frágil, o indivíduo com mania de doença acaba tornando-se obsessivo, quase que um tarado, pensando 24 horas por dia em como pode se contaminar ou passar mal. Tarado?
Ironicamente quem tem mania de doença adoece com facilidade, especialmente por que seu organismo não tem condições de defesa. É altamente alérgico a tudo e a todos, especialmente à vida. A mania de doença espelha a fragilidade da personalidade humana que substituiu o politeísmo ocidental, deificando todo processo patológico. Por isso farmácias têm nome de santo e remédios têm nome indecifrável. Mistérios?
O totem moderno revivifica a saúde em uma busca constante por um elixir da vida eterna. Vivemos para as tragédias, doenças, desgraças. Esta é a característica máxima de nosso sadismo cotidiano. Isso, quando introjetado por um indivíduo com complexo de inferioridade, pode substituir a essência de sua vida, especialmente se ela for sem graça. O desejo acaba sendo substituído pelo mal-estar e a alma aprisionada pelo medo da destruição, isto se torna a mania de doença.
Javé punidor ressurge querendo sangue, e na concepção interior isso pode se dar por meio de bactérias, de pegar sol demais, de tomar chuva, e assim a experiência religiosa é vivenciada de forma errônea, castradora, assimilada pelo medo, tornando esse sentimento uma forma genuína de ligação da psique com a vida. Sem o medo é impossível viver, sem o medo não há, para a psique primitiva, como reconhecer o potencial divino. Por isso muitos vivem em igrejas fundamentalistas, nas quais o Novo Testamento é totalmente banido. Esse medo ilusório é criado na mente perturbada que não encontra outro sentido, não encontra satisfação, a não ser que o tema seja doença ou punição. Viva o pecado original! Você é pecador?
Muitos pacientes que atendi com tais características falavam de seus sintomas como quem se referia a um grande amigo ou amante. Eram verdadeiros tratados de medicina ambulantes, sabendo cada detalhe do mal que os afligia. Sabem de tudo, racionalizam, justificam e não saem do lugar. A isto chamamos neurose. Neurose por falta de vida, neurose pela vida de plástico, neurose por excessos, neurose pela substituição real do sentido de vida em uma vitimização doentia e recorrente.

Jorge de Lima escreve aos sábados no DM de Goiânia no espaço opinião

Selzy Quinta Marcas:

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